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Em busca de cidadania, netos de portugueses têm que provar ‘ligação efetiva’ com Portugal

Ser membro de clube de futebol como o Vasco ou do Real Gabinete de Leitura reforça pedido de nacionalidade, que agora pode ser transmitida aos filhos

 

A carteira de sócio do Vasco da Gama virou um dos passaportes para os brasileiros netos de portugueses obterem a cidadania. Com a nova lei que regulamenta o direito para netos, a paixão pelo clube de São Januário tem sido uma das provas de “ligação efetiva” com Portugal, assim como viagens frequentes ao país. Essa comprovação é exigida pelo Decreto-Lei 71/2017 , que permitiu aos netos estenderem a nacionalidade portuguesa aos filhos maiores de idade, mas, ao mesmo tempo, passou a exigir mais investimento por parte dos pretendentes.

O direito à cidadania já era garantido para netos, mesmo que seus pais não a tivessem obtido, mas não de maneira jus sanguinis . Ou seja, não era extensível aos filhos maiores de idade dos requerentes, explica a advogada Catarina Zuccaro, da TZR Advogados. Além da ampliação do direito, a comprovação de ligação efetiva criou, na opinião da advogada, uma seleção econômica mais rígida com a exigência da manutenção de um elo dispendioso.

— Por um lado, foi bom, porque os netos podem transmitir para filhos maiores de idade. São pessoas com poder aquisitivo, que, às vezes, nem querem morar em Portugal, mas fazem porque podem transmitir para os filhos, deixar o benefício como legado para a família. Por outro lado, a lei  passou a ser mais seletiva e só o neto do português que tem poder econômico pode fazer andar o processo. Há de ter alguma capacidade financeira para poder ter direito, porque associações aos clubes por mais de cinco anos, gastos com passagens de avião, hospedagens e negociações imobiliárias demandam muito dinheiro — explicou Catarina.

Aos 89 anos e sócia do Vasco há 50, uma moradora do Rio de Janeiro está em busca das suas raízes em Portugal. Catarina, autora do processo da vascaína, remetido para a Conservatória dos Registros Centrais de Lisboa este mês, precisou voltar no tempo para buscar informações documentais do avô, datadas do final do século XVIII. Mas de nada adiantaria essa pesquisa se a senhora, que pediu anonimato, não tivesse como comprovar a ligação efetiva.

— O argumento principal no processo para provar a ligação é que ela é sócia do Vasco há 50 anos. É um processo líquido e certo. Vai demorar nove ou dez meses, mas vai sair — garantiu Catarina, que apresentou recentemente outros dois processos com ligação efetiva comprovada por meio de afiliação à Portuguesa e ao Real Gabinete Português de Leitura .

Quando receber a cidadania, a brasileira poderá transmiti-la para filho de 60 anos e o neto, de 30. Catarina explicou que esta é uma tendência: idosos, netos de portugueses, têm recorrido ao direito de resgatar a linha genealógica e deixá-la de herança. E os clubes brasileiros têm sido decisivos nos processos.

—Estatisticamente, não sei. Mas, no boca a boca, tenho ouvido que muitas pessoas têm se inscrito no Vasco, na Portuguesa e na Portuguesa Santista com este objetivo. Com a nacionalidade portuguesa, os filhos terão direito ao passaporte europeu, dispensa de visto para os EUA, pagarão 1/3 das mensalidades de universidades portuguesas e poderão viver em qualquer país da União Europeia — explicou Catarina.

 

Regras subjetivas

Na prática, há muitas brechas e regras não ditas, incluindo quantos deslocamentos ao país são suficientes e como demonstrar que houve engajamento de fato em atividades culturais e recreativas lusitanas. Advogados como as brasileiras Danyelle Asfora e Fabiane Machado, que atuam em Lisboa,  buscam desvendar estas regras. Segundo elas, correm entre colegas dicas que vêm obtendo sucesso na hora de “amolecer o coração” dos oficiais de registro, responsáveis pela concessão da cidadania.

— A lei não é clara. Não descreve o que seria o laço de efetividade. Temos o caso de um cliente que provou que o pai dele escrevia poemas sobre Portugal, tinha feito viagens ao país e era inscrito em associações. Percebo que pode ser um critério sentimental, e não tão técnico — diz Danyelle.

O trabalho de convencimento custa tempo e energia. Levando em geral cerca de 12 meses, o processo para netos de portugueses é o mais complicado, elas explicam, e, por isso, é recomendado só para quem não tem como obter a cidadania por linha hereditária direta. Para filhos de cidadãos, os procedimentos costumam durar de 4 a 6 meses.

Mochila às costas e estrategicamente posicionada em cima de um bloco de concreto na calçada, Regina Cardozo capricha no sorriso para a foto em uma rua de Lamego, bem abaixo do letreiro luminoso onde está anunciado: “Festas da N.S. dos Remédios 2016.” Longe de ser apenas recordação, a imagem é uma das provas da presença frequente da engenheira carioca e aposentada, de 61 anos, em território português.

O álbum digital de fotos das últimas viagens de Regina, que mora em Copacabana, é praticamente uma herança para os três filhos adultos. Neta de português, ela não pensa em morar em Portugal, mas desde que soube da mudança da lei viaja anualmente para o país, comprovando o elo com o território. Além da imagem no palco da festa de rua tradicional em Lamego, ela tem outra ao lado de pessoas vestidas com roupas típicas de Portugal, em Braga. São fotos que serão anexadas ao pedido de cidadania em breve.

— A nova lei me obriga a ter prova de efetividade com Portugal. Assim, preferi utilizar minhas andanças por Portugal, o que tenho feito à procura da minha identidade familiar. Fui às cidades dos meus antepassados, avós e tios, uma freguesia de Viseu. Quando conheci a região dos meus avós, pensei que no passado eles tiveram alguma motivação financeira que os levou ao Brasil. Agora estamos vivendo o inverso, motivados pela insegurança e falta de um Estado que nos ampare. Mas não moraria em Portugal. Gosto do Brasil e da minha vida. (A cidadania) é um legado para os meus filhos — disse Regina.

O governo português reconhece como laços efetivos a viagem regular a Portugal; residência legal no país; propriedade ou contrato de aluguel de imóvel no território português há mais de três anos; participação regular na vida cultural de comunidade histórica portuguesa no país onde resida nos cinco anos antecedentes ao pedido, especialmente em atividades de associações culturais e recreativas portuguesas.

— Desde a Segunda Guerra que o direito internacional exige ligação efetiva ao território para a concessão de nacionalidade. É para mostrar que o laço não se perdeu e não há apenas uma ligação de sangue. E, além das viagens ao território, eu interpreto que clubes de várias cidades brasileiras podem comprovar ligação efetiva — explicou Gonçalo Saraiva Matias, que é assessor para assuntos jurídicos e constitucionais da Casa Civil da Presidência de Portugal e diretor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.

 

Como proceder

Para fugir da subjetividade de alguns critérios, os especialistas recomendam no mínimo três viagens recentes e regulares para fortalecer o pedido. E a associação aos clubes e associações culturais com comprovada ligação às tradições portuguesas, como o Real Gabinete Português de Leitura, por cinco anos antes do pedido e com declaração emitida pelo corpo administrativo. Só assim é possível comprovar ligação no Brasil. As viagens são necessárias para a comprovação de laço territorial. São provas não cumulativas.

Feito através de um escritório de advocacia, os custos do processo variam, mas podem chegar aos R$ 5 mil.  Se for realizado diretamente pelo interessado, o custo fixo é de €175 (R$ 734) para maiores de idade e gratuito para menores. Neste caso, o pagamento precisa ser feito com cartão de crédito para a Conservatória dos Registos Centrais. Todos os documentos a reunir e os procedimentos e endereços de envio dos pedidos podem ser consultados na página do Ministério da Justiça de Portugal: justica.gov.pt .

Desde a entrada em vigor da nova lei, os pedidos de cidadania feito por netos aumentaram . Em 2016, foram 136 requerentes de todas as nacionalidades. Ao fim de 2017, o número pulou para 6.348, sendo 5.412 do Brasil (85%). No geral, Portugal recebeu, em 2018, 41.324 pedidos de nacionalidade (10% a mais que em 2017) e concedeu 32.414. Destes, 11.586 foram para brasileiros, segundo o relatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Em 2017, o número total de brasileiros beneficiados foi de 10.805.

Em junho deste ano, o governo criou o site nacionalidade.justica.gov.pt para agilizar a consulta aos pedidos de cidadania.

 

Recomendações para fortalecer os laços

– Viagem regular a Portugal (Mínimo três. Mas quanto maior for a frequência, mais forte é o pedido).

– Inscrição em associação sócio cultural portuguesa há cinco anos (como o Vasco da Gama, a Portuguesa, o Real Gabinete de Leitura).

– Imóvel comprado ou alugado em Portugal por pelo menos cinco anos.

– Residência legal em Portugal.

 

Fonte: O GLOBO 

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