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Empreendedorismo

Da Travessa para o Príncipe Real. Uma livraria brasileira em Lisboa

Vindo de Belo Horizonte, Rui Campos tornou-se livreiro quando se mudou para o Rio de Janeiro, em 1975. “Vivíamos um momento cultural muito opressivo por causa da ditadura e da censura”, recorda. “Eu trabalhava numa pequena livraria mas tentávamos ter livros portugueses, então eu escrevia cartas aos editores portugueses e eles respondiam-me e depois de muitas cartas eles enviavam os livros. Muitos deles eram apreendidos na alfandega porque eram de autores proibidos ou porque tinham temas proibidos, mas nós não desistíamos.” Essa livraria em Ipanema, chamada Muro, local de encontro de intelectuais e de resistência, acabou por fechar e, depois, em 1986, Rui Campos abriu uma outra livraria na Travessa do Ouvidor, no centro da cidade, e é daí que vem o nome da primeira Livraria da Travessa.

Este fim de semana é inaugurada a nona Livraria da Travessa – e a primeira fora do Brasil. Em pleno Príncipe Real, em Lisboa. A Casa Pau-Brasil (rua da Escola Politécnica, 46) já era conhecida por albergar algumas das mais conhecidas marcas brasileiras, agora recebe também, no piso térreo, a sua mais conhecida livraria. Onde antes havia cadeirões e tapetes, há agora livros. Paredes cheias de estantes cheias de livros. No domingo, logo de manhã (11:30), serão ali lançados dois livros infantisConta Comigo Não Tenhas Medo, de autoria de Marta Coelho e Ana Rita Malveiro, editados pela Máquina de Voar. À tarde (17:00), o escritor brasileiro Eucanaã Ferraz apresenta Retratos com Erro, o seu mais recente livro editado em Portugal pela Tinta-da-China. A apresentação estará a cargo de Pedro Mexia e Rosa Maria Martelo e a cantora Adriana Calcanhotto vai ler alguns dos poemas.

São apenas os primeiros dos muitos eventos que Rui Campos quer ver naquele espaço. “Nós, os mineiros, somos muito parecidos com os portugueses, temos a mesma densidade, a melancolia, a saudade”, diz o livreiro, que apesar de não ter ascendentes familiares em Portugal se sente em casa no Príncipe Real, a comer empadas de galinha e a desfrutar “desta luz fantástica” de Lisboa. Aliás, se tiver que escolher o seu livro preferido, ele até pode hesitar (“para os livreiros os livros são como os filhos, não temos preferidos”, diz) mas lá acaba por dizer que é Os Maias, de Eça de Queiroz. “E já é o meu preferido há muito tempo, não o digo só porque estou em Portugal”, garante, sorrindo.

Num momento em que é mais comum haver notícias sobre livrarias que fecham as portas do que sobre novas livrarias, a Travessa parece caminhar em contramão. Depois de Lisboa, Rui Campos vai estar em São Paulo para abrir a 10º Travessa. “De facto, não nos podemos queixar”, admite o responsável da Travessa, que é a livraria oficial da FLIP, a Festa Literária Internacional de Paraty. “O que nós vemos é que este é um negócio que está longe de estar em extinção. Em todo o mundo tem havido um aumento na venda de livros”, diz, defendendo que a leitura eletrónica não é uma ameaça. “As pessoas foram capturadas pelas telas [os ecrãs] – para trabalhar, para conversar, para tudo. E o livro em papel acaba por ser uma fuga disso. Uma salvação. Um antídoto para a velocidade dos dias de hoje.”

“O nosso sucesso assenta num tripé”, explica. Num dos pés esta a “curadoria”, ou seja, a escolha dos livros que ali são vendidos: “Tentamos fazer uma interpretação do momento cultural e do contexto em que estamos inseridos”, diz. No segundo pé está o ambiente da livraria, com base na arquitetura e no design da responsabilidade de Bel Lobo, arquiteta e sócia da Travessa. “As estantes, a iluminação, tudo é pensado ao pormenor”, garante Rui Campos. Finalmente, no terceiro pé está o atendimento. “Investimos muito na formação dos livreiros, eles são a alma da livraria.”

“A proposta da Travessa é ser um espaço de encontro do leitor com o livro. Como toda a coisa cultural, o gosto pelo livro tem de ser cultivado. Não é uma questão de sobrevivência, não morremos por não ler um livro. Mas é uma questão de qualidade de vida, a vida é melhor se lermos”, diz. “Por isso queremos que seja um lugar agradável, que as pessoas entrem, mesmo que não queiram comprar nada, e quem sabe fiquem com vontade de levar um livro ou mais.”

A livraria de Lisboa vai empregar dez pessoas e será gerida pela portuguesa Ana Reis-Sá com a colaboração da brasileira Fernanda Teodoro, em sintonia com a coordenação-geral da Travessa no Brasil. Quanto à oferta, Rui Campos admite a sua frustração por não poder colocar nas prateleiras tantos livros vindos do Brasil quanto gostaria devido aos entraves dos direitos de autor. “A legislação é obsoleta, porque qualquer pessoa pode encomendar na Internet um livro de uma editora brasileira, mas eu não posso vendê-lo na loja”, queixa-se. No total, a Travessa deverá ter 60% de livros editados em Portugal, 20% vindos do Brasil e 20% de outros países. “Vamos ter todos os autores brasileiros que conseguirmos”, isso é certo.

A Livraria da Travessa no Príncipe Real vai estar aberta todos os dias: de segunda a sábado das 10.00 às 22.00 e ao domingo das 11.00 às 20.00.

 

Foto: © Bruno Raposo/ Global Imagens

Fonte: DN

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