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Empreendedorismo

Vila Real: a cidade que se mexe para lá do Marão

No último ano, novos projetos e ideias de negócio começaram a «mudar mentalidades» e a fazer com a cidade mude sem perder a sua identidade e as suas tradições.
Mesmo antes da abertura do túnel do Marão ter tornado Vila Real mais acessível a quem a visita, esta que é a porta de entrada para Trás-os-Montes estava a tentar encontrar o seu caminho entre uma urbanidade cada vez mais vincada e a ruralidade.

Ao passear-se por Vila Real, à volta do centro histórico e nos bairros periféricos, vê-se uma cidade mais colorida e alegre do que era antes de 2016 – ano em que abriu o túnel do Marão e em que se realizou a Capital da Cultura do Eixo Atlântico. Não metaforicamente, mas de facto. Os responsáveis são Daniel Souto e Eduardo Porto que idealizaram o festival de street art Pitoresco, com a sua associação Instantes Mutantes.

«Aqui, não havia contacto com a arte urbana», explica Daniel. Os dois ilustradores quiseram, então, «trazer a arte para a rua» e convidaram artistas nacionais deixarem a sua marca em prédios e muros. «Desde a primeira edição que a ideia é abordar as tradições e histórias locais. Por isso, cada uma das intervenções diz algo sobre a cidade. Seja uma homenagem às lavadeiras do Corgo, pelo artista Smile1art, seja aos oleiros que produzem a famosa louça preta de Bisalhães, ou o motociclismo, com «Ready to Race», de Smile. O festival, que inclui muitos workshops e que envolve a comunidade escolar, regressa para a sua terceira edição em setembro próximo.

Tradição/modernidade é o ritmo a que se move a cidade e com ela os novos negócios. Como é também exemplo A Feitoria da Bila.

Tradição/modernidade é o ritmo a que se move a cidade e com ela os novos negócios. Como é também exemplo A Feitoria da Bila. Criada por Pedro Cleto e Judite Roçadas e aberta há dois anos, esta loja é especializada em chás e cafés. Há variedade destes produtos – chás branco, verde, preto e diversas tisanas) e cafés gourmet de várias origens -, além acessórios como bules japoneses e máquinas de extração de café. «Houve uma evolução muito grande. Primeiro, as pessoas estavam relutantes em relação a estes produtos, mas a mentalidade mudou um bocado», conta Pedro que agora se dedica à sua marca Gramas de Chá, que se pode encontrar na loja. Aqui também se pode comprar um clássico da cidade. Há mais de 80 anos que um torrador e comerciante de café, Mário Miranda, fez história em Vila Real com a sua mistura de café e chicória. A marca foi comprada e o produto está disponível na loja.

Quando, há três anos, Olinto Peixoto abriu a sua mercearia/garrafeira Mercado da Bila, também não teve um início fácil. «Já tinha gosto pelos vinhos e surgiu a ideia de montar uma garrafeira. Mas em Vila Real só uma garrafeira não tinha saída», diz. Por isso, complementou a oferta com legumes frescos de produtores locais, produtos regionais, chás e conservas. Mas a ‘menina dos olhos’ de Olinto continua a ser a garrafeira. Metade das paredes da loja estão ‘forradas’ com estantes repletas de garrafas. Apesar de haver propostas para todos os bolsos, o que aqui se destaca são os vinhos de topo.

Na concept store Porta 16 «tudo o que se vê na loja está à venda»

Quem também decidiu arriscar em conceitos novos foi o casal Célia e Levi Fernandes que este ano abriu a concept store Porta 16. Licenciada em Design de Moda, Célia mudou-se de Lisboa para Vila Real e percebeu que não havia lojas de moda para o público masculino. No início, o projeto seria esse. Em pesquisas apercebeu-se que seria melhor optar por fazer uma concept store. Encontraram uma loja «com uma fachada maravilhosa», ao estilo arte nova, e meteram mãos à obra para fazer tudo: desde o pequeno compartimento em madeira para provas até aos charriots. A ideia continuou a ser vender principalmente roupa para homem, calçado e decoração: «tudo o que se vê na loja está à venda», explica Célia. Entretanto, decidiram ter roupa para mulher, apostando na sobriedade das marcas nórdicas, «um estilo diferente do que se encontra nas outras lojas», diz.

Como em casa

São projetos de famíla os restaurantes que surgiram este ano em Vila Real. Em jeito de circuito pelas novidades, a primeira paragem pode ser n’ A Mesa Lá de Casa. «Abrimos a 1 de setembro mas parece que toda a vida fizemos isto», diz Magda Ribeiro, que gere o espaço idealizado por várias pessoas da família. «As viagens que a minha prima Anabela Mota Ribeiro fez inspiraram este local», conta. O primo Paulo «trouxe a logística e a dedicação», e a Anabela «ideias e muitos livros» (que se encontram em estantes na parede do fundo do restaurante).

A ideia foi transpor para o restaurante o ambiente das refeições em família. No centro de uma sala, uma mesa corrida chama a atenção: «Muita gente nos disse que uma mesa corrida não ia funcionar, mas tem funcionado. As pessoas acabam por se sentar e conversar. Há comunhão à refeição». O restaurante também levou para a cidade a moda dos brunchs, servidos aos sábados domingos e feriados. Quanto à carta, está dividida em comida tradicional e «valores seguros», pregos, petiscos e uma francesinha em bolo do caco (com molho agridoce, como é tradição em Vila Real). Ao almoço há menus diários e ao jantar pratos de tradição transmontana, como polvo, costeletão de vitela ou bacalhau com broa.

Entre os pratos transmontanos elaborados com criatividade e propostas arrojadas, o novo restaurante Villas também veio diversificar a oferta

Entre os pratos transmontanos elaborados com criatividade e propostas arrojadas, o novo restaurante Villas também veio diversificar a oferta. Depois de terem estado uma década ligados aos projetos do chef Rui Paula, o casal Mafalda Barroso e Gonçalo Pinto decidiu abrir o seu próprio espaço. A passagem pelo Brasil e por Angola alimentou o sonho de um negócio próprio, até porque a família começou a crescer. «Aprendemos muito com o chef Rui Paula mas queríamos estar perto dos nossos filhos», conta Mafalda. «Temos as nossas ideias e estamos a criar a nossa própria linha, a partir da tradição transmontana e não só», diz o chef Gonçalo. «Fazemos comida tradicional, mas brincamos com isso», acrescenta.

Quem não se ‘mete’ com a tradição transmontana é Encarnación Martinez Rubio, espanhola que vive em Vila Real há oito anos e que com Nuno Pires abriu o Pintxo Gastro Bar. «Há sítios muito bons com comida tradicional. Eu não me atrevo a fazer francesinha nem bacalhau», admite. Quando foi para Vila Real, teve saudades do que estava habituada. «Apetecia-me comer tapas e pensei que outras pessoas também pudessem gostar». O Pinxto serve tapas em versão hispano-lusa e está a tornar-se famosa pela paella de marisco e as carnes maturadas, estas últimas por conta de Nuno, que termina ele próprio o ciclo de maturação de 50 ou 60 dias no restaurante. Todo o espaço, uma casa antiga do centro histórico, foi decorado por eles.

Um hostel e uma guest house

Não muito longe, também no centro, abriu em 2016 o primeiro hostel de Vila Real – Douro Village Hostel-, projeto de Daniela Pereira e Cátia Varela. «Cátia há muito que tinha esta ideia engavetada», conta Daniela. Quando um familiar adquiriu o edifício – que terá perto de 300 anos – quis convertê-lo em apartamentos para alugar. Cátia conseguiu convencê-lo a deixá-la fazer um hostel. «Adaptámos a casa em função do que era possível. Enterrámos tudo de alma e coração», diz. São 31 camas divididos entre várias camaratas e um quarto duplo. «O objetivo foi criar condições para que o pessoal jovem viesse para Vila Real, porque estávamos muito carentes quanto a este tipo de alojamento.

No centro, abriu em 2016 o primeiro hostel de Vila Real – Douro Village Hostel

Para um público diferente é a Borralha Guest House, que abriu em abril passado. Com nove quartos e uma suite, esta casa solarenga com mais de 100 anos foi toda reconstruída. «Aproveitamos tudo o que tinha de bonito, incluindo as paredes de granito», diz Artur Fernandes, empresário na área da panificação e que já tinha investido num projeto de turismo rural na Parada do Pinhão.

Esta antiga quinta familiar estava há vários anos abandonada (fora adquirida pelas Estradas de Portugal aquando do projeto de construção da autoestrada). Acolhedora e com boas instalações, a casa tem nove quartos e uma suite e encontra-se no lugar da Borralha. A apenas dois quilómetros do centro histórico. A convidar a um passeio descontraído para se descobrir esta ‘nova’ Vila Real.

 

Jardim Botânico e Frasqueira da UTAD

A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) é conhecida pelo seu espírito inovador, pelo seu jardim botânico e pelo seu curso de enologia que tem vindo a formar importantes enólogos. Tudo isto junto justifica uma visita. O jardim integrado no espaço urbano que é o campus entusiasma pela sua diversidade, com várias espécies autóctones e internacionais. Durante o passeio vale a pena entrar na cantina panorâmica, onde se encontra um dos projetos mais recentes da UTAD: a Frasqueira. A ideia para esta frasqueira – nome «que antigamente se dava às garrafeiras», esclarece o arquiteto António Belém Lima, autor da mesma – era «armazenar, guardar e mostrar a cara dos vinhos» elaborados por enólogos que estudaram na casa, explica. Os vinhos podem ser adquiridos no restaurante. A par desta iniciativa, a UTAD está, já pelo terceiro ano, a desenvolver o Projeto Alumni. João Pissarra, engenheiro e professor da universidade, explica este quer «valorizar a passagem dos ex-alunos pela Universidade e ‘servir-se deles’ para integrar os novos alunos». O projeto começou com o convite direto a três ex-alunos para que produzissem um vinho que fosse rotulado com a marca UTAD. Os alunos tiveram depois o desafio para convidar outros ex-alunos. 2018 é o ano da terceira ronda.

Zona Livre – associação cultural e cívica

Já foi sede de bombeiros e espaço onde a companhia Filandorra – Teatro do Nordeste criava e ensaiava os seus espetáculos. Agora, com Rui Fernandes e Sónia Meireles à frente do espaço, este edifício no centro histórico de Vila Real é a casa da Associação Zona Livre, que funciona como bar, espaço para exposições, concertos (do heavy metal à eletrónica), cinema e até para aulas de guitarra e de karaté. «Nos últimos 20 anos, o espaço estava a ficar degradado», conta Rui. Há três anos, fizemos uma proposta para uma programação cultural e eles aceitaram». Hoje, é um espaço cultural e cívico e «superou o que tínhamos previsto», dizem.

 

Foto: Rui Manuel Ferreira/Global Imagens

Fonte: Evasões

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