Segurança, samba e investimentos: brasileiros invadem Portugal
Os 105 mil brasileiros que vivem no país representam 1/5 da população estrangeira local; a taxa de estrangeiros do Brasil já é 23% maior do que em 2018
Lisboa – Estimulados pela segurança que Portugal oferece, milhares de brasileiros estão transformando com cultura e poder financeiro a indústria, o setor imobiliário e até o carnaval da “terrinha”. O país europeu tem se tornado o “oasis” dos endinheirados que fogem da crise.
“Era uma oportunidade para conhecer a Europa. Novas culturas, nova experiência”, resume Lanne Faria, que chegou a Portugal há algumas semanas.
Lanne, que acaba de se mudar com o marido e duas filhas pequenas, contou uma história de busca de oportunidades, qualidade de vida e segurança com a qual muitos dos mais de 28 mil brasileiros que chegaram ao país no último ano se identificam.
A quantidade de brasileiros que moram em Portugal já é 23% superior à do ano anterior, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a nacionalidade estrangeira mais numerosa no país, com mais de 105 mil residentes, um quinto do total, em uma população de apenas 10 milhões de pessoas.
Não havia tantos brasileiros desde 2012. E isso porque o número oficial é menor que o real, pois não são considerados os que têm dupla nacionalidade, seja portuguesa ou de algum outro país da União Europeia.
A explosão brasileira é sentida por todas partes, principalmente no setor imobiliário, de olho nas grandes fortunas, muito impulsionado desde 2012 com o visto Gold, dado a quem comprar imóveis avaliados em mais de 500 mil euros (cerca de R$ 2,2 milhões).
Mafalda Lourenço trabalha há anos de forma mais especializada com esses imigrantes de alto poder aquisitivo. A consultora, que viveu seis anos em São Paulo, destaca que o incentivo do visto ajudou “muitos brasileiros a descobrirem Portugal”.
“Portugal era, até então, a ‘terrinha’, que é um termo carinhoso, mas também pejorativo: ‘aí estão os velhinhos de Portugal’. Agora, não mais”, conta.
Foi então que começou o boom. “O carioca faz um investimento imobiliário e se muda com a família, e o paulista faz um investimento em um imóvel, mas não vai viver em Portugal, depois conhece o mercado e gosta, continua no país”, explica Mafalda. Segundo ela, esses brasileiros não gastam só o meio milhão necessário para o visto Gold.
Foram os brasileiros que fizeram Lisboa e Porto verem o luxo a sério, com mais Porsches – os brasileiros são os maiores compradores da marca, especialmente dos modelos conversíveis – e mais joias e relógios caros. Ostentações que podem brilhar com tranquilidade em Portugal, o terceiro país mais seguro do mundo segundo o Global Peace Index.
“As pessoas falam de qualidade de vida. Tínhamos uma boa vida no Rio de Janeiro, mas era uma vida cerceada”, desabafa Claudia Dieb, brasileira residente em Lisboa desde janeiro de 2018.
A vida no Rio, para ela, “era o medo constante de sair à noite, medo de estar tranquila na praia, de deixar as coisas na areia e entrar na água”.
“Viemos por isso, para poder caminhar às 23h com o celular na mão e ninguém te abordar, poder andar de ônibus sem medo. Sair à noite sem ter medo. Sair com relógio sem ter medo de ser assaltada”, compara.
Essa necessidade de segurança moldou o perfil dos brasileiros que se mudaram para Portugal, que passou de majoritariamente investidor a cidadãos que querem construir uma vida, como Lanne, Cláudia e também Maurício Saban, que vive há um ano em Lisboa.
“Por mais que as pessoas aqui também protestem, comparativamente é melhor (em Portugal). Nem cogitamos ir para outro lugar da Europa. Acredito que seja o melhor lugar para ficar”, garante Saban, que se estabeleceu com a esposa e os filhos de forma “indefinida”.
Mas nem tudo são rosas. As brincadeiras sobre as diferenças de sotaque e vocabulário, apesar de compartilharem o idioma, às vezes dão margem a comentários xenofóbicos.
“Um colega de trabalho mentiu, me disseram que os brasileiros… como se os brasileiros fossem a única nacionalidade que mentisse”, conta Cláudia, que confessa deixar “passar” situações desse tipo, cada vez mais comuns.
A Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial de Portugal indicou recentemente que os relatos de xenofobia contra brasileiros aumentaram 150% no último ano.
A revanche: festa na rua. A batucada das manifestações é brasileira e o carnaval português também, cada dia mais, embora o frio e a chuva de Lisboa obriguem a moderação nas fantasias que são vistas pelas ruas do Brasil.
“O que eu vi que mais mudou no carnaval de Lisboa é que aumentaram os blocos. Mesmo com frio, porque aqui é inverno, o carnaval etá mais animado, dá para perceber porque sinto até calor”, diz Luli Monteleone, blogueira de moda e entretenimento.
Foto: Leo Patrizi/Getty Images
Fonte: Exame