Proibição das corridas de cães em Portugal
Exposição de motivos
Numa sociedade inclusiva dos seus animais, estes não são tidos como propriedade ou recurso natural, nem legal nem moralmente, sendo a sua utilização injustificável. A objetificação dos animais, no âmbito utilitarista, é uma visão ultrapassada que não tem em conta o interesse maior do animal. No caso dos cães, e dentro desta temática, é seu interesse maior correr livremente e não sob coerção humana.
Múltiplos estudos científicos, desenvolvidos, designadamente, pela American Society for the Prevention of Cruelty to Animals (ASPCA), pela People for the Ethical Treatment of Animals (PETA), pela Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals (RSPCA), pela Animals Australia, entre outras organizações com atuação mundial, assim como investigadores na área do bem-estar animal, alertam para os riscos que advêm da utilização de cães em corridas, tais como:
• Excesso de criação de animais, podendo resultar em abandono;
• Instalações inadequadas para manutenção dos animais;
• Ausência de enriquecimento ambiental e falta de socialização com outros animais e humanos, resultando e, podendo resultar em problemas comportamentais graves como compulsões, comportamentos repetitivos, apatia, latidos em excesso, ansiedade de separação, entre outros;
• Utilização de métodos de treino com recurso à força, ao excesso e à violência, promovendo maus-tratos e esforço físico excessivo, muitas vezes resultando na morte do animal;
• Altos índices de taxas de mortalidade, baixos índices de esperança média de vida;
• Utilização de isco vivo (recorrentemente lebres), que resulta em mortes agónicas dos mesmos e em ferimentos nos cães;
• Administração de substâncias proibidas ou não registadas, promovendo o tráfico de estupefacientes;
• Ferimentos e fraturas resultantes das diversas práticas existentes antes e durante as corridas;
• Tratamentos e atos médicos efetuados por indivíduos sem formação médico-veterinária e cédula profissional, pondo em risco a vida do animal e em causa a ética e deontologia profissional;
• Importação e exportação de animais sem assegurar os requisitos de certificação veterinária para o bem-estar e a sanidade animal, podendo colocar em risco a saúde pública através da transmissão de zoonoses: raiva, leptospirose, dermatofitose, sarna sarcótica, borreliose, erliquiose, bordetella bronchiseptica, vírus da parainfluenza canina, herpes vírus, parasitoses gastrointestinais, entre outras;
• Apontam ainda altos índices de taxas de mortalidade nestes animais e baixos índices de esperança média de vida.
Posto isto, o que está em causa não é os cães correrem livremente, consoante as suas vontades e necessidades, acompanhados, ou não, pelos seus tutores. É correrem dopados, com coleiras de choque, sofrerem maus tratos antes, durante e após as corridas, serem abandonados, encarcerados e forçados a dar sangue o resto da vida, ou mesmo abatidos quando já não servem este propósito de entretenimento humano.
Os galgos começam os treinos com 2/3 meses de idade. Os mais velhos corredores têm apenas 2 anos de idade. Ao longo das suas curtas vidas, são submetidos a treinos violentos e desgastantes para a saúde, a vidas miseráveis e indignas, culminando muitas vezes na morte ou no abandono.
Salientam-se nesta atividade dois nítidos incumprimentos da lei – maus tratos a animais e abandono destes – os quais pretendemos extinguir com esta Iniciativa Legislativa de Cidadãos.
No caso particular de galgos, estes apresentam uma musculatura “extremamente desenvolvida, principalmente a nível de peito e dos cortes traseiros, onde normalmente não têm pelo, por causa dos treinos com noras metálicas”. As noras são dispositivos horizontais e mecanizados, segmentados por chapas metálicas eletrificadas, e que rodam a velocidades excessivas, obrigando os cães a correrem em círculos. Quando os cães não acompanham o ritmo, são-lhes infringidos choques elétricos. Durante as corridas, os cães podem atingir 60 Km/h, ficando as suas patas gravemente feridas, devido ao rápido desgaste das almofadas plantares num atrito tão violento com o solo, solo este, na maior parte das vezes, a carecer de condições.
Foi ainda assumido por vários galgueiros à revista Visão que “a tendência atual é a de a segmentar com redes inflexíveis, colocando nos cães coleiras eletrificadas, com pequenos choques (e emissão de um som) infligidos por controlo remoto nos galgos que fiquem para trás. É que há o risco de esses retardatários partirem uma pata, caso fique presa num buraco da rede. Aí, são para deitar fora” .
Para comprovar o que vai dito, fazemos referência aos galgos resgatados das ruas, com marcas no corpo características destes procedimentos. Além disso, os galgos resgatados das ruas apresentam ainda “cicatrizes nos focinhos, por causa dos açaimes, e no pescoço, culpa do corte para extraírem chip. Quando se lhes põe uma trela, andam como soldados, não puxam, param quando paramos e sempre de focinho apontado para o chão”.
Segundo dados estatísticos fornecidos por associações de resgate animal, todos os anos são recolhidos cerca de uma centena de galgos, abandonados das ruas, por todo o país. Os galgos, “na grande maioria, chegam extremamente assustados, não se deixam apanhar, exceto quando já estão muito debilitados”.
Os chips são retirados do pescoço e as orelhas raspadas para remover as tatuagens, a sangue frio, para que os responsáveis por estes animais se vejam livres deles, sem serem chamados à justiça.
Em Portugal estão identificadas seis pistas amadoras, onde são promovidas corridas de cães num campeonato nacional. Há registo destas corridas, ao longo do ano, em:
• Vila Nova de Famalicão (pista de Nine)
• Póvoa de Varzim (pista da Estela)
• Vila do Conde (pista de Mindelo)
• Bombarral (pista da Associação Galgueira do Centro)
• Alenquer (pista da Romeira)
• Cuba do Alentejo (pista da Associação Galgueira de Cuba)
Há registo de 23 galgueiros nacionais certificados, em localidades como Cartaxo, Oliveira Do Bairro, Vila Do Conde, Povoa de Varzim, Torres Vedras, Barcelos, Alenquer, Vila Nova de Famalicão, Gradil, Sobral de Monte Agraço, Abrigada, Estremoz e Lisboa. Estes criadores estão listados numa base de dados internacional , gerida por apostadores profissionais.
Para participarem nas corridas, os cães devem ter uma tatuagem, no interior das duas orelhas, com os números e letras que identificam o cão e o galgueiro.
É tido como verdade que todas as corridas de cães em Portugal contam com a presença do médico-veterinário municipal, de forma a cumprir a legislação em vigor no que respeita a bem-estar animal, para efeitos de inspeção de documentação dos cães participantes, do estado físico em que se encontram e consequente autorização para participação nas corridas.
No entanto, numa das provas do campeonato nacional em Vila Nova de Famalicão, em abril de 2019, o Jornal Público testemunhou que não havia nenhum médico-veterinário, e que nem mesmo a câmara municipal sabia da existência do evento.
Discursos contraditórios são ainda tidos por representantes de associações e federações que organizam corridas de cães:
• “Desconheço casos de doping, mas admito que possa haver um ou outro galgueiro sem escrúpulos que dope os seus galgos, fazendo-o com elevado perigo porque nem saberá o que está a fazer”. O mesmo elemento afirma: “Estamos a desenvolver um projeto antidoping, mas vamos precisar de meios, como uma carrinha móvel própria e técnicos credenciados”.
• “Desconheço casos de maus tratos a galgos”. O mesmo elemento afirma: “Vamos buscá-los [os galgos] imediatamente e castigamos o galgueiro. Nem é preciso dizerem-nos que estão mal, nós sabemos e vamos logo buscá-lo”.
Estabelecendo uma relação numérica entre os factos supramencionados e as respetivas leis em incumprimento, note-se o seguinte:
1. Nos termos do Decreto-Lei nº. 13/93 de 13 abril, e de acordo com a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia: “ninguém deve inutilmente causar dor, sofrimento ou angústia a um animal de companhia” e que “são proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os atos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal”. De acordo com a Lei n.º 69/2014 de 29 de agosto sobre “Crimes contra animais de companhia”, o Artigo 387.º “Maus tratos a animais de companhia” prevê que: “1 – Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias” e “2 — Se dos factos previstos no número anterior resultar a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”. Ainda, nos termos da Lei 8/2017 de 3 de março, o Artigo 1305.º sobre “A Propriedade de animais” prevê que “3 – O direito de propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte.
2. De acordo com a Lei 8/2017 de 3 de março, o Artigo 1305.º sobre “A Propriedade de animais” prevê que “1 — O proprietário de um animal deve assegurar o seu bem-estar e respeitar as características de cada espécie e observar, no exercício dos seus direitos, as disposições especiais relativas à criação, reprodução, detenção e proteção dos animais e à salvaguarda de espécies em risco, sempre que exigíveis. 2 — Para efeitos do disposto no número anterior, o dever de assegurar o bem-estar inclui, nomeadamente: a) A garantia de acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão; b) A garantia de acesso a cuidados médico-veterinários sempre que justificado (…)”. Ainda, nos termos da Lei n.º 69/2014 de 29 de agosto, o Artigo 388.º sobre “Abandono de animais de companhia” prevê que “Quem, tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir animal de companhia, o abandonar, pondo desse modo em perigo a sua alimentação e a prestação de cuidados que lhe são devidos, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.
Finalmente, de acordo com a Lei 8/2017 de 3 de março, a Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, que: “A presente lei estabelece um estatuto jurídico dos animais, reconhecendo a sua natureza de seres vivos dotados de sensibilidade”, sendo que, de acordo com o artigo 201.º “A proteção jurídica dos animais opera por via das disposições do presente código e de legislação especial”.
De acordo com disposto no artigo 201.º – B do Código Civil, sendo os animais seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza”, Portugal tem a obrigação de proteger estes animais, vítimas de violência física e psicológica.
Cada vez mais, os portugueses têm vindo a marcar a sua posição de respeito para com os direitos dos animais. Num país que se projeta vanguardista, em que a cidade de Lisboa será a “Capital Verde Europeia 2020”, é imperativo respeitar todos os seres vivos, através do cumprimento das leis que os protegem.
O facto de as corridas de cães serem legais em Portugal confirma a ausência de fiscalização no que respeita à proteção dos animais, e agrava a crescente banalização do incumprimento da lei, no sentido de que a lei se faz cumprir em alguns (poucos) casos, mas são abertas exceções sem qualquer razão lógica, científica ou passível de aceitação legal.
Assim, nos termos constitucionais e legais aplicáveis, os cidadãos e as cidadãs que abaixo assinam, apresentam a seguinte Iniciativa Legislativa de Cidadãos
Artigo 1º
Objeto
O presente Projeto de Lei estabelece a proibição das corridas de cães em Portugal.
Artigo 2.º
Definição
Entende-se por “corridas de cães” todos os eventos que envolvam a instigação à corrida, por via de isco vivo ou morto (recorrentemente lebres), ou mesmo sem isco, de animais da família Canidae em pistas, amadoras ou profissionais, instalações, terrenos ou outros tipos de espaço, públicos ou privados, com fins competitivos e/ou recreativos.
Artigo 3.º
Aditamento ao Código Penal
É aditado ao Código Penal Português o artigo 387.º-A com o seguinte teor:
“Artigo 387.º-A
Corridas de Cães
1 – Quem organizar corridas de cães, divulgar, vender ingressos, fornecer instalações, prestar auxílio material ou qualquer outro serviço inerente à sua realização, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 200 dias.
2 – Quem participar com cães e/ou lebres em corridas de cães, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
3 – A tentativa é punível.”
Artigo 4.º
Contraordenações
1 – Quem assistir a corridas de cães ao vivo, é punido com coima de (euro) 750 a (euro) 5000.
2 – À conduta do artigo anterior podem ser aplicadas as penas acessórias do artigo 388.º – A do Código Penal.
Artigo 5.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Assembleia da República, 15 de outubro de 2019
Iniciativa legislativa – A aguardar assinaturas online
Comissão representativa: Sandra Paula Duarte Cardoso Ana Carina Dias Bidarra Clarisse Isabel Capelas Cerdeira Pedro de Sousa Barreiros Bartolomeu Sarah Karina Armas Nordin Vasco Miguel Carvalho Tavares
Para assinar: https://participacao.parlamento.pt/login
Fonte: SOS Animal