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João Rafael Koehler. “Portugal precisa de melhores empreendedores”

O líder da Associação dos Jovens Empresários está de saída. Elogia a estabilidade do Governo, mas lamenta que não haja descida do IRC.

O Orçamento de Estado para 2017 acabou de ser aprovado. Que análise faz do documento?

Não analisei ainda em pormenor, mas todos os orçamentos são fortemente condicionados pela União Europeia. Em particular nos últimos anos, com a entrada da troika, a ação do Governo é extraordinariamente limitada. De qualquer forma, creio que é um orçamento fiscalmente muito neutro, não há medidas de rutura. Eu gostava que a descida do IRC, projetada pelo anterior governo e acordada com o PS, pudesse avançar.

O facto de se aumentarem as pensões mais baixas é positivo. Para estimular o consumo? Não acredito que seja o consumo privado que vai estimular a economia, mas acho que, do ponto de vista humano, é positivo. Como é a descida da sobretaxa. O nível de impostos, para aqueles que são considerados os mais ricos, é demasiado alto para aquilo que o Estado oferece como contrapartida. O nosso Estado Social tem que melhorar muito para ter o direito de cobrar os impostos que cobra. Eu gostava que o orçamento contemplasse outras medidas que alavancassem a nossa economia, mas dependemos muito das exportações dos nossos setores tradicionais. E dependemos muito do investimento estrangeiro.

E, nesse sentido, como vê o adicional do IMI?

É um mau sinal e foi muito mau, também, a forma como foi comunicado. As pessoas que estão de fora, e querem investir, o que mais apreciam é a previsibilidade. Conjunturalmente, Portugal está a ganhar com uma série de acontecimentos nos EUA, Europa e no Magrebe e que têm a ver com a segurança. Curiosamente, uma das grandes desvantagens do país, que era ser periférico, tornou-se numa vantagem. Porque somos um país seguro e com poucos imigrantes. Há investidores com grande potencial económico e financeiro que estão interessados em vir para Portugal. Da China, Índia, Arábia Saudita, Dubai, até ao Bahrain, países que olham para Portugal como um porto seguro, uma plataforma de entrada na Europa. Seria muito bom que lhes conseguíssemos dar sinais na política fiscal e de acolhimento. Temos os vistos gold… São excelentes, mas este adicional do IMI é péssimo, porque ataca os vistos gold. Mas poderia haver outra discriminação fiscal positiva, não só de estrangeiros que vêm, para cá, como para voltar a atrair portugueses e empresas portuguesas que estão localizadas no estrangeiro. Para que uma Jerónimo Martins, que tem sede na Holanda, tal como outros grupos portugueses que têm as suas sedes em locais fiscalmente mais atrativos, possam estar em Portugal numa situação que seja concorrencial.

A harmonização fiscal é uma coisa complicada na Europa…

Sim, é uma questão delicada. A verdade é que temos sempre de procurar atrair pessoas e património que sejam interessantes. Repare, quando houve esta grande crise financeira que atacou os EUA mas, também, a Europa e, transversalmente, um conjunto de bancos europeus que eram, aparentemente, muito sólidos, houve um país que esteve quase sempre imune a tudo isto. O Reino Unido. Acho que em Portugal não houve um único banco que não tivesse estado em situação de quase falência. Tal como em Espanha, em França, na Bélgica, Itália. Nem o Deutsche Bank escapou. Mas os bancos ingleses da City estiveram sempre com ótima reputação e estiveram sempre a operar com níveis de excelência sem serem atacados relativamente aos seus balanços. E uma das explicações para isso é o facto de os ingleses fazerem muito aforro.

E não se deve, também, ao facto de não estarem na zona euro?

Também. Mas os bancos são um reflexo das economias nacionais. Por isso é que agora temos, outra vez, o problema da banca. Que não tem só a ver com os bancos em si, mas com o facto de a maior parte das empresas e dos empresários estarem descapitalizados. A banca tem excesso de liquidez, é verdade. Sempre que há bons projetos, a banca empresta. Ou avança em conjunto. Há vários bancos que têm capitais de risco que fazem co-investimentos. A questão é que a economia portuguesa tem muitas fragilidades e a culpa não é só dos bancos. É de todos nós. Voltemos às medidas de diferenciação positiva.

Não teme que fossem mal recebidas pelos contribuintes?

A verdade é que já existem incentivos para o regresso das pessoas que estão fora. Julgo que se estiver no estrangeiro a trabalhar mais de cinco anos, ao regressar a Portugal tem uma flat rate de 20%. Ou seja, tem pessoas que ganham 500 mil euros por ano e pagam 20% e outras que ganham o mesmo e pagam 53%. Do ponto de vista fiscal há aqui alguma iniquidade, mas tem a ver com a capacidade de atração. Claro que tudo isto tem que ser transitório. Que balanço faz do primeiro ano do Governo? Apesar da solução de Governo ser muito pouco ortodoxa, e de ser suportada por dois partidos de extrema esquerda – o que, só por si não é um bom indicador, pelo menos em termos de atração de investimento estrangeiro – , o primeiro ministro, e o Presidente da República, têm conseguido manter a estabilidade. O que é muito importante para a confiança. Claro que o Governo podia ter feito melhor, com duas ou três medidas para estimular o desenvolvimento da economia.

Quais?

A descida do IRC e a suspensão do pagamento especial por conta para dar incentivo aos jovens empresários. E a lei laboral, obviamente. Temos provavelmente o Código de Trabalho mais rígido da Europa. Nós e os franceses.

Ainda?

Sim, porque algumas das medidas foram revertidas. E algumas são contradições nos próprios termos, como seja contratar-se alguém a prazo e quando esse período termina ter que indemnizar a pessoa para ela sair. Este tipo de normas são contra o emprego, não são a favor. E depois há uma coisa terrível em Portugal que são os contratos de trabalho temporários. Você contrata uma empresa que depois subcontrata pessoas e as vai rodando, num sistema instável, de precariedade total, em que tem uma empresa que recolhe 30 ou 40% dos rendimentos do trabalho de uma pessoa. Não entendo como é que há setores da nossa sociedade que o admitem. Isto é uma válvula de escape terrível para um Código de Trabalho que é do século passado. Estas coisas deviam-se ter feito. Tudo o resto tem fluído, tem funcionado. A verdade é que Portugal está sob um espartilho muito grande. O impacto que o Governo tem sobre a economia é muito mais limitado do que julgamos.

Por falar em bancos, como vê o caso Caixa Geral de Depósitos?

Não conheço em detalhe como e em que condições é que as pessoas foram convidadas. A verdade é que convidarem-se pessoas para serem administradoras de uma instituição sem terem as qualificações [certas] e ter de vir o BCE dizer que têm que receber formação… eu senti vergonha alheia. Não é bom, sem por em causa a competência e o mérito de ninguém. São pessoas com uma carreira extraordinária e com muito valor. Mas foi um ato falhado. Relativamente à entrega da declaração dos rendimentos, acho que o resultado final, que foi provocado muito pelo Presidente da República, explica, também, o desastre que foi todo o processo.

Enquanto empresário, preocupa-o o brexit?

O alcance do brexit, quer para os ingleses quer para a Europa, ainda está por determinar. Claro que os ingleses vão ficar muito mais competitivos, em todas as indústrias que se podem abastecer localmente e que sejam exportadoras, e isso é uma ameaça para os outros países. Tudo o que sejam barreiras legais, alfandegárias, administrativas ou burocráticas para a circulação de bens e serviços é mau porque prejudica, dificulta, torna mais caro. E depois há o medo do efeito de arrastamento, de contágio, que isto possa ter relativamente a outros países. A Europa é um espaço de paz e de prosperidade. As pessoas tomam-no como garantido porque já não existe uma guerra na Europa há 70 anos e achámos que vai ser sempre assim. Mas é muito importante vivermos numa comunidade que seja o mais ligada entre si. De qualquer forma, a verdade é que o Reino Unido já não estava no espaço Schengen há uns anos e vivíamos bem com isso. A ANJE está a comemorar 30 anos. Há três décadas ninguém falava de empreendedorismo, hoje a palavra faz parte do léxico dos portugueses.

Somos um país de empreendedores?

A mudança não aconteceu de um momento para o outro. Começou-se a falar muito em empreendedorismo quando rebentou a crise financeira e económica no país. Com a contração do Estado, da Banca, o aumento do desemprego, o empreendedorismo foi visto como uma panaceia. Estive há uma semana num concelho do Porto onde vivem 63 mil pessoas e que tem 6400 empresários registados. Mais de 10% da população é empresária. Claro que, desses, mais de 90% são empresários em nome individual. Nós temos empresários que cheguem em Portugal. Somos um país altamente empreendedor. Cada vez há mais empresas criadas e, obviamente, também a fechar.

Qual é a taxa de sobrevivência dessas empresas?

Ser fácil criar empresas é bom. Aliás, a medida do Simplex da criação da empresa na hora, criada pelo governo do eng José Sócrates, foi excelente e muito aplaudida pelos estrangeiros que cá vinham. O problema é que a maior parte delas fecha. Existe um estudo que diz que ao fim de três anos quase 60% das empresas acabam por fechar. E isso obviamente é negativo. Não precisamos de mais, mas de melhores empreendedores. O que nós precisamos não é de criar tantas empresas, precisamos é de empresas assentes em boas ideias de negócio, mas que tenham capacidade de gestão. Porque mesmo as que nascem nas universidades, nos politécnicos e nos centros tecnológicos, a maior parte das pessoas que as criam não estão preparadas para as gerir. O fundador da empresa, muitas vezes, não é a pessoa mais preparada para isso.

Não é isso que existem entidades como a ANJE e a Beta-i e outras?

Sim, temos a Academia dos Empreendedores que é isso mesmo que faz. Sessões de coaching, de mentoria, de colocar as pessoas em contacto com capitais de risco, com business angels ou apenas com pessoas que tiveram experiências parecidas. E como outros centros de incubação que são fundamentais para dotar essas empresas das capacidades necessárias para que possam evoluir e tornarem-se em negócios sustentados e sustentáveis, que possam exportar, criar riqueza, pagar impostos e contratar pessoas para que o país ande para a frente. O outro dia falava com o CEO da Caixa Capital que me dizia que, nos últimos anos, avaliaram 500 empresas e investiram em 14. Isso diz muito da quantidade de coisas que aparecem e não estão aptas a ir para o mercado. E as que vão, não estando, acabam por morrer. É o mercado a funcionar. O ideal era que isso não acontecesse. Porque, apesar de não diabolizarmos o fracasso, também convém que o fracasso não aconteça muitas vezes. É bom que as pessoas estejam treinadas para terem sucesso. Terem planeamento, terem meios financeiros… Volto a dizer, não precisamos de mais, mas de melhores empreendedores. Lançar um negócio é uma coisa difícil… Extremamente difícil. O que fazemos aqui é tentar diminuir os riscos do negócio, dotarmos as pessoas de um ecossistema, de um ambiente em que estão em contacto com outros que já fizeram coisas parecidas e já experimentaram o sucesso e o fracasso, com especialistas em fazer estes negócios, com pessoas que sabem como gerir uma pequena empresa e com especialistas em meter dinheiro em empresas que são interessantes. Quando alguém me diz que já bateu a todas as portas e ninguém quis meter dinheiro na empresa, é um sinal. Eu acredito que a resiliência é importante, mas tem de haver um momento em que, quando não dá, pára.

A experiência do Shark Tank foi importante para esse contacto com empreendedores?

A realidade é brutal. O mais difícil nos negócios é o entendimento com as pessoas. O ter olhado para dezenas de negócios, ter recusado muitos, ter fechado alguns na televisão e alguns em privado… é uma experiência para a qual ninguém está preparado. A verdade é que do outro lado está sempre alguém que conhece o negócio, que quer fazer coisas, mas muitas vezes as pessoas não estão preparadas para a realidade que é ir lá para fora, para o mercado. E o entendimento entre sócios é uma das questões mais importantes. Até mesmo em empresas maiores. Ter de explicar a alguém que inventou uma coisa que não pode ficar à frente do negócio é uma coisa muito agressiva, muito difícil. E a maior parte das pessoas, sejam jovens ou menos jovens, não está preparado para o ouvir.

Gostou da experiência?

Gostei de fazer a primeira série, a segunda já foi mais difícil. Mas não repito.   Sai no fim do ano.

Qual o legado que deixa no ANJE?

Não acho que tenha sido um presidente muito importante. Importantes foram os primeiros que criaram este espaço de liberdade e de independência onde as pessoas falam à vontade. Mas acho que conseguimos, nos últimos três anos, mudar o paradigma. Não somos uma associação de hardware, de instalações, de muitos centros de incubação, mas de software, fazemos mais mentoria, faz mais coaching, até influenciámos o discurso do país. A ANJE está hoje melhor preparada, com uma equipa mais especializada, embora mais pequena, mas com funcionários que ganham melhor. Fizemos o saneamento financeiro da associação e estamos hoje em todo o país. Diria, até, que a nossa atividade no Alentejo ou no Algarve é mais importante do que a que temos no Porto.

Quando alguém quer abrir um negócio vai onde?

Vai à ANJE. E continuamos a prossecução do interesse público: há uns anos íamos às universidades fazer o roadshow do empreendedorismo, hoje vamos às escolas primárias.

Fonte: Dinheiro Vivo

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