Bate-papo com Pati Carvalho, a talentosa chef que conquistou Lisboa com a sua alquimia vegana
A marca Cozinha de Alecrim é um projeto da chef Pati Carvalho, que surgiu em 2014, com o objetivo de unir uma vida saudável e sustentável a uma alimentação equilibrada, saborosa, sem químicos, conservantes, ingredientes de origem animal e contribuindo para o bem do nosso planeta.
Nessa entrevista, que é mais um bate-papo, a chef idealista e vegana nos conta um pouco sobre como começou a sua carreira na Gastronomia, porque optou por Portugal e como está lidando com o atual momento em que a maior parte das pessoas teve que parar as suas atividades e adotar o isolamento social em suas rotinas.
VegNutri – Como surgiu o Cozinha de Alecrim?
Pati – O Cozinha de Alecrim surgiu no Rio de Janeiro, em 2014, quando eu comecei a fazer granola para vender. Eu fazia bolos sem glúten e sem açúcar refinado também, mas a granola era “O” sucesso na época. Cheguei a fornecer a granola para um empório gourmet no Jardim Botânico (Zona Sul do Rio) durante um tempo, mas logo depois vim para Lisboa e as coisas mudaram um pouco. O Cozinha de Alecrim era muito maior do que só uma marca de granolas. Eu é que não sabia disso ainda.
VegNutri – Você se formou em Arquitetura. O que a inspirou a mergulhar no mundo da Gastronomia?
Pati – Bom, eu tive infinitas crises existenciais durante a faculdade de Arquitetura. Em uma delas pensei em largar tudo e fazer Gastronomia, mas acabou ficando de lado porque eu achava que seria uma decepção para o meu avô. Não me arrependo. Adoro Arquitetura, adoro a parte estética e criativa, e amo pensar que uso uma parte de tudo isso que desenvolvi nos anos de trabalho com Arquitetura, nos meus pratos. No restaurante, eu tenho um menu por dia, e penso no prato de duas maneiras. Primeiro de forma que ele seja completo nutritivamente e que a pessoa consiga ingerir o necessário para saciar a fome e ficar bem. E a segunda forma são as cores e como aquela comida vai ser empratada de forma que o cliente consiga se alimentar com os olhos, antes de colocar a comida na boca.
Em 2014, eu estava trabalhando (no Brasil) pelo menos 10 horas por dias em um escritório de Arquitetura. Eu gostava, era um escritório pequeno; era o braço direito da dona e tinha três estagiárias. Mas eu chegava em casa às 20h ou 21h, morta de cansada e pensando em cozinhar coisas novas, testar receitas. Não era vegano ainda, mas era vegetariano. Comecei a pesquisar cursos, fiz alguns workshops no Rio, comprei livros e passava os fins de semana testando receitas saudáveis e gostosas. Acho que comecei a perceber que, apesar de gostar, a Arquitetura teria que fazer parte da minha vida de outra forma. Além disso, eu sempre sonhei em ter meu próprio negócio. Quando percebi que não me via com o meu próprio escritório de Arquitetura, deixou de fazer sentido.
VegNutri – Por que escolheu Portugal para abrir o restaurante? Como se deu esse caminho?
Pati – Em 2014-2015, quando percebi que a culinária estava me satisfazendo muito mais do que a Arquitetura, comecei a procurar cursos. Eu testava muita coisa sozinha em casa, mas queria fazer um curso longo e de culinária vegetariana/vegana, só que não tinha nada disso no Brasil. Só tinha cursos pequenos, workshops de um dia ou no máximo um fim de semana. Eu tenho nacionalidade portuguesa e sempre tive uma ligação bem forte com Portugal. A gente vinha muito pra cá quando eu era criança, e eu dizia que ia morar aqui quando crescesse. Comecei a procurar cursos em Portugal e achei um de culinária macrobiótica. Eu não sabia muito sobre culinária macrobiótica, dei uma pesquisada e me pareceu interessante. Em agosto de 2015, cheguei em Lisboa para fazer o curso que duraria um ano. Coloquei na cabeça que faria o curso, procurar emprego em restaurante e ver o que aconteceria. Não sou muito de fazer planos longos. No máximo no prazo de um ano e mesmo assim já me dá agonia. Gosto da sensação de deixar as coisas acontecerem naturalmente, sem pensar muito, só aceitar o que vem e tomar a próxima decisão.
Todas as melhores coisas que aconteceram na minha vida foram assim, inclusive o Cozinha de Alecrim. Acho que a gente tem que estar aberto para o que a vida traz. Acabou que em dois meses arrumei emprego na cozinha de um restaurante de vinhos e comida tradicional portuguesa, o que significa que chegava um lombo de vaca enorme e eu tinha que mexer naquilo. Era terrível, todo mundo que entrava na cozinha neste momento dizia que dava para ver na minha cara que eu era vegetariana (na época ainda não era vegana, e sim, eu sou muito transparente nas caras que faço). Mas eu precisava de alguma experiência em cozinha e esse era o preço que eu ia pagar para começar o meu sonho.
Depois desse restaurante, trabalhei numa loja de sucos que o dono tinha planos de abrir um restaurante e queria que eu fosse a chef e montasse o cardápio. Fiquei muito feliz, mas o restaurante nunca aconteceu, e fiquei trabalhando na loja de sucos.
Em julho de 2017, o amigo de uma amiga minha daqui ia abrir um restaurante de comidas saudáveis, sem carne, mas com opção de peixe, em um centro comercial. O projeto era super interessante, apesar de não ser o sonho da minha vida trabalhar em um centro comercial. Mas eu ia ser chef do restaurante, ajudar a montar o cardápio e ia sair da loja de sucos, que apesar de ser onde conheci as minhas melhores amigas daqui, eu estava super infeliz.
Saí da loja de sucos, ajudei na montagem do cardápio, mas as obras atrasaram muito e eu estava sem trabalho, precisando ganhar dinheiro e ocupar os meus dias. Resolvi voltar com o Cozinha de Alecrim e comecei a fazer comida em casa para vender. Comprei embalagens biodegradáveis, montei cardápios da semana, e tinha umas amigas advogadas que me ajudaram muito nessa época. Eu levei comida para elas por uma semana e falei que se gostassem poderiam divulgar nos escritórios. Elas adoraram e eu comecei a ter muitos pedidos. Na época ainda não tinha uber eats e glovo aqui, então eu cozinhava e entregava sozinha. Fiz isso durante alguns meses, até que caiu no meu colo o espaço que é o Cozinha de Alecrim hoje. Estava para alugar, tinha uma cozinha mais ou menos montada, era um espaço bem pequeno, mas eu não queria nada muito grande, porque, como eu disse, não faço planos muito longos. Eu não sabia o que iria acontecer, então um espaço pequeno era o ideal!
Em 2018, abri o restaurante do Cozinha de Alecrim. Fiz tudo, desde pintar paredes a pregar coisas, arrumar, limpar, absolutamente tudo. Foi muito duro no início. Era a realização de um sonho e eu estava mais feliz do que nunca, mas não é nada fácil fazer tudo isso sozinha! Mas é o meu cantinho especial de Lisboa, é bem pequeno mesmo e às vezes eu queria que fosse maior, mas nada me dá mais alegria e gratitude do que ver as poucas mesas cheias, todo mundo conversando com todo mundo, e a sensação de que estou cozinhando para amigos na sala da minha casa. 🙂
VegNutri – Como você vê o crescimento do público vegano em Portugal?
Pati – Vejo um crescimento enorme que durante um tempo achei que não aconteceria. No meu primeiro trabalho aqui, a maioria dos funcionários tinha uns 20 e poucos anos. Eu já era vegetariana e eles diziam para mim que eu era louca e que ia morrer anêmica, que o ser humano precisa de carne animal para viver. Eu fiquei tão chocada e tão decepcionada que comecei a pensar que, de fato, Portugal nunca iria aceitar a comida diferente da tradicional portuguesa e que estava anos luz atrás do Brasil, o que era estranho para mim, porque aqui sempre teve supermercados 100% orgânicos, por exemplo, que é uma coisa que eu nunca vi no Rio.
Há cinco anos era uma luta comer na rua para uma vegetariana, mas a partir do meio de 2016 e 2017 tudo mudou. Portugal começou a ganhar vários prêmios de melhor lugar para se viver, melhor lugar da Europa para visitar, entre outros, o que obviamente trouxe muitos turistas para cá de todo lugar do mundo, e isso fez crescer muito a diversidade de comida por aqui! Hoje em dia arriscaria dizer que está maior do que no Brasil, inclusive. No Brasil temos muito a coisa do comer saudável, mas não é tão fácil achar um restaurante 100% vegano.
VegNutri – Como você está lidando com o momento atual, estabelecimentos fechados e pessoas em casa?
Pati – É muito complicado. Tive momentos que fiquei meio sem saber o que fazer, bate um certo desespero né? Eu coloquei todo meu amor e meu investimento fisico, financeiro e emocional no restaurante, e agora a incerteza do que vai acontecer é bem complicada.
Eu mantive o restaurante aberto, em formato delivery e takeaway durante 15 dias depois que Portugal entrou em estado de emergência. Liberei a Sofia, que trabalha comigo, e fazia tudo sozinha. Ia ao mercado, higienizava tudo, limpava o restaurante todo, cozinhava, e servia comida para os clientes que iam lá buscar ou que pediam pelo aplicativo. No primeiro dia saí de lá chorando. Eu estava acostumada com a animação do restaurante, receber clientes que vão lá todos os dias, ficar conversando, saber como está o trabalho deles, o dia deles… que loucura que é essa solidão imposta, não poder tocar em ninguém, as palavras se resumirem a “oi tudo bem? aqui está seu almoço, espero que goste”, as ruas vazias, não passava um ser humano, um carro, nada…
No final dos 15 dias, eu já estava exausta. Parei para pensar e vi que isso ia acabar com o meu emocional, o que claramente ia refletir no meu corpo, e decidi fechar. Agora estou dando asas a novos projetos, sigo compartilhando as minhas receitas nos stories no Instagram, o que tem me dado um prazer e uma alegria enorme. Por mais que não esteja ganhando dinheiro no restaurante, nenhum dinheiro paga o fato de você sentir que está ajudando alguém, nem que seja minimamente, a passar por dias tão conturbados. As mensagens tão carinhosas de agradecimento que recebo, as fotos das pessoas reproduzindo as receitas, todas felizes que conseguiram fazer, e o meu objetivo concluído de mostrar que é super fácil e gostoso se alimentar de forma saudável e sem matar os bichinhos.
Dito isso, sinceramente acho que tudo o que está acontecendo foi muito necessário, apesar de infelizmente ter sido dessa forma com tantas mortes e tantas pessoas sofrendo. Mas acho mesmo que o mundo precisava parar. E a gente precisa entender que tudo vai mudar, não existe voltar ao que era, ninguém volta ao passado, né ? Vamos todos ter que nos adaptar a uma nova realidade.
VegNutri – Quais são seus planos para o Cozinha de Alecrim quando esse momento passar?
Pati – Espero continuar com o restaurante, acho que está tudo muito incerto hoje. Mas isso vai passar e espero conseguir reabrir! Desde novembro do ano passado, conto com a ajuda da Sofia no restaurante, que é cozinheira amadora que nem eu era e tem um jeito super especial de cozinhar. Eu tenho deixado ela cada vez mais livre no restaurante porque quero seguir com outros projetos que já estavam na minha cabeça. Vejo o Cozinha de Alecrim hoje sendo mais que um restaurante. É um projeto que busca levar comida saudável e vegana para as pessoas de forma leve, descomplicada e sempre com amor. Quero que todo mundo perceba que é fácil sim você se alimentar de forma saudável e sem matar os animais, e além de fácil é MUITO gostoso!!!
No último ano, descobri o prazer em ensinar, e um dos projetos para esse ano, além de aulas e cursos, era tentar mudar a alimentação nas escolas. As crianças precisam ter contato com o alimento, saber o que estão comendo, e por que não ajudar a fazer a própria comida? Temos que parar com isso de coisas embaladas, biscoitos cheios de açúcar, conservantes, e mais um monte de coisa que muitos vezes nem sabemos o que tem ali. Isso é responsabilidade dos pais. Não vejo nenhuma criança comprando sozinha um pacote de Oreo no mercado. Enfim, acho que isso tem que mudar urgente! E preciso fazer o que eu puder para ajudar! Quero colocar esse projeto para frente quando esse momento passar, e também estou com projetos de cursos no Brasil e em Portugal, só não tenho datas por enquanto.
VegNutri – Pode dividir uma receita com os nossos leitores?
Pati– Nossa, tem vááááárias lá no Instagram, e toda quinta-feira coloco uma receita nova no canal do Youtube do Cozinha de Alecrim. Sigam lá ! Mas vou colocar aqui a do Brigadeiro Vegano, que é uma loucura de delicioso, fica com a textura perfeita, e foi sucesso lá no Instagram e no Youtube.
Ingredientes:
500ml de leite de amêndoa (eu faço o meu leite de amêndoa, mas pode ser comprado também)
1/2 xicara de açúcar de côco
3 colheres de sopa de cacau em pó
1 colher de sopoa de manteiga de cacau derretida (pode substituir por óleo de côco, mas o sabor fica incrivelmente melhor com a manteiga de cacau. Vale a pena)
Algumas gotinhas de essência de baunilha (opcional)
Leve todos os ingredientes ao fogo, mexendo constantemente até reduzir. O ponto certo é quando o brigadeiro estiver bem consistente (não mais líquido) e soltando totalmente da panela.
Assistam a receita a seguir:
Cozinha de Alecrim
Local: Rua de O século, 224, Lisboa, Portugal
Telefones: 213461569 / 919 662 443
Email: contacto@cozinhadealecrim.pt
Fonte: Vegnutri