fbpx
Geral

Advocacia pelos Animais: um projeto pro bono acabado de nascer

Humilde na estrutura, porém ambicioso no objetivo de criar um mundo mais justo e tolerante, diz Telmo Coelho.

elmo Coelho é um advogado de causas. O que faz é com paixão e a defesa dos animais integra esse seu mundo na procura por uma sociedade mais justa. Foi isso que o levou a criar o projeto pro bono Advocacia pelos Animais. Em conversa, explica que este projeto não é um trabalho. “É uma parte do meu trabalho, um serviço social que dedico a esta causa de uma forma inteiramente gratuita”.

A história tem duas etapas. Telmo Coelho interessa-se pela causa animal desde 2016, tendo feito parte de um observatório que integrava um banco de advogados que, de forma pro bono, representavam os animais em processos judiciais de crimes de maus-tratos e abandono de animais. Entretanto, o projeto terminou, mas Telmo Coelho quis prosseguir o seu trabalho nesta área, pelo que em fevereiro deste ano criou o Advocacia pelos Animais.

“O meu projeto tem como escopo o aconselhamento jurídico e procedimental da comunidade que pretenda ser esclarecida quanto à matéria dos Direitos dos Animais e também de representação judicial no âmbito de processos-crime no que diz respeito ao abandono e maus-tratos a animais de companhia, que têm tutela penal desde 2014”, explica.

Com efeito, desde outubro de 2014 que os crimes contra animais de companhia passaram a estar previstos no Código Penal. Mas a realidade é complexa e há ainda muito a fazer pela eficaz punição de quem maltrata esses animais.

Ainda há muita desinformação

E, nesse âmbito, tem havido muitos pedidos de ajuda? Telmo Coelho diz que tem tido alguma procura, mas que existe ainda muita desinformação e falta de conhecimento em relação ao que é a tutela jurídica-penal dos animais de companhia.

“Em relação ao âmbito mais procedimental (o que é preciso fazer), as solicitações que me fazem não são significativas, mas isso contracena com um relativo interesse da população pelos animais, pelo que fico perplexo por não haver mais solicitações nesse sentido. Talvez porque podem desconfiar que o projeto não seja verdadeiramente pro bono e benemérito, como é este o caso. Normalmente, ninguém oferece nada a ninguém e desconfia-se quando surge um projeto desta natureza”, aponta o advogado.

 

Telmo Coelho presta ajuda pro bono.

Ao nível da representação judicial, “a concretização muitas vezes é complexa”, sublinha. Por outro lado, “muitas vezes as pessoas não estão informadas em relação ao que são maus-tratos e abandono de animais. Há zonas cinzentas”.

Muitas vezes, explica o advogado, os animais sobre os quais existe uma denúncia não estão a ser alvo de maus-tratos, mas as pessoas acham que sim, porque a sua sensibilidade é diferente — “contudo, objetivamente, não raras vezes, conclui-se pela inexistência em concreto da prática de crimes de maus-tratos e abandono”.

Autoridades competentes podem e devem fazer mais

Até aqui falámos na perspetiva da população. “E depois há a perspetiva das autoridades competentes e a forma como tratam estes casos”, frisa Temo Coelho, dizendo que é muito crítico de todo o aspeto procedimental — como reagem e se comportam as autoridades perante este tipo de participações.

Certas entidades muitas vezes também têm falta de conhecimento e há desinformação. “Perguntam muitas vezes se o animal está subnutrido ou se se veem as costelas, Isso é um dos indícios, mas não o único, há muitos mais que devem ser acautelados. As autoridades devem averiguar no local o que se passa. Devem tomar nota da ocorrência, mas têm também o dever de impedir que o crime aconteça ou recorra, por isso tenho para mim que devem dirigir-se ao local sempre que recebem uma participação, ainda que a mesma se revele infundada. Mas se isto não acontece muitas vezes em sede penal quando estamos a falar de crimes iminentes ou em curso contra ofendidos humanos, diria que seria pedir muito quando se fala de animais, pois a tendência é ser mais negligente”, lamenta.

Mas ainda há bons exemplos e o advogado recorda-se, por exemplo, de um caso em que a divisão de defesa animal da PSP foi extremamente diligente no que diz respeito a um cão, em Lisboa, que gania e ladrava há dois dias. O assunto ficou resolvido, “mas o problema é que normalmente estes casos pouco vêm a lume e a impunidade acaba por prevalecer”. Por isso mesmo, Telmo Coelho considera que “fica a saber a pouco sob dois pontos de vista”.

E quais são eles? Em primeiro lugar, a taxa de “sucesso” de condenações efetivas relativamente aos processos judiciais em curso é pequena. Ou, pelos menos, a taxa de arquivamentos por insuficiência indiciária é amplamente maior que as acusações.

Em segundo lugar, “a minha opinião pessoal e a minha postura em relação ao direito penal, que é a área que trabalho mais, é de que as penas são demasiado brandas para este tipo de crimes. É certo que o fim retributivo das penas há muito que perdeu para uma lógica preventiva e de reabilitação. No entanto, mesmo à luz das teorias preventivas, penso que se justificariam penas mais gravosas, que permitissem ao agente do crime refletir mais profundamente sobre o comportamento que teve, e penso que este deveria ser compelido a fazê-lo sentindo na ‘pele’ o peso dos seus atos, não se resolvendo a coisa com meia dúzia de euros ou uns meses sem poder ter animais de companhia. Há casos em que acho que, dado o modus operandi do arguido, devia haver prisão efetiva”.

“Custa-me ainda, e deixa-me perplexo que, além da condenação da pena principal (por exemplo, condenado a x dias de multa), haja — enquanto consequência de maus tratos — injunções acessórias (como por exemplo, não poder ter animais durante x anos) que permitam ao agente de uma conduta hedionda e cruel para com um ser vivo senciente voltar a deter animais de companhia passados poucos meses ou anos, ou sequer poder volta a fazê-lo”, afirma.

“E custa-me, embora reconhecendo ser uma opinião muito própria e quiçá pouco refletida à luz da doutrina penal, que a aplicação destas penas acessórias se coloquem no âmbito da discricionariedade do juiz decisor. Não devia haver esta discricionariedade por parte do tribunal. Devia haver uma moldura penal que impusesse uma certa medida de injunções dentro da qual o tribunal se deveria considerar vinculado. É difícil de digerir que o prevaricador que revelou um total desprezo e uma enorme crueldade perante a sua vitima, fazendo-a sofrer de forma totalmente inaceitável e até mesmo provocando o seu fim, possa, mais ano menos ano, voltar a ter a possibilidade de o fazer contra outro animal de companhia”, refere.

“Não estamos a falar de coisas, já foi reconhecida dignidade aos animais e, com ela, um conjunto de direitos, como o direito a não sofrer e ter condições condignas e viver em pleno”, salienta Telmo Coelho.

As penas são para aplicar

É por isso que o advogado considera que “um arguido que esventra uma cadela ou que enfia uma foice no escroto de um cão não merece um tratamento diferente de um indivíduo que cometeu homicídio ou ofensa à integridade física qualificada. As penas existem e são para aplicar, se bem que a moldura penal de 2014 esteja aquém — apesar de ter sido um grande avanço. Mas as consequências não são suficientemente persuasivas”.

Na opinião de Telmo Coelho, toda a conduta contra um animal tem o mesmo ímpeto criminoso que contra um ser humano. “A única diferença é que, no direito penal, um homicídio tem pena máxima de 25 anos de prisão e a morte de um animal de companhia tem uma pena de prisão até dois anos ou pena de multa”.

“A nossa educação filtra os nossos ímpetos culturais. Uma coisa é alguém tratar mal um animal fruto da sua educação (e isso pode-se tentar mudar), outra coisa é o indivíduo com uma conduta desviante que revela impulsos criminosos. Os tribunais e inquéritos existem para diferenciar tudo isso, a doutrina jurídica tem de desbravar mais e melhor caminho. Ainda estamos na fase da celebração de 2014”, sublinha.

Manual procedimental a caminho

Telmo Coelho está também, no âmbito deste seu projeto, a fazer os preparativos para criar um manual de procedimentos em matéria de Direito(s) dos Animais. “Está a ser pensado como um ‘manual do utilizador’, ou um manual de procedimentos, a adotar em matéria de Direitos dos Animais, nomeadamente o que fazer no caso de presenciar uma situação de maus-tratos de animais, como fazê-lo, a quem participar, o que fazer perante as adversidades do procedimento de participação, o que pode exigir das entidades, o que deve saber antes de participar, o que deve ser considerado mau-trato, ou abandono, etc.”

“Quero que este manual procedimental vá mais longe e fundo do que a informação genérica que já conhecemos, que as pessoas ou associações e até as entidades competentes saibam o que devem fazer e como devem proceder quando confrontadas com certas situações ou circunstâncias que envolvam ações voluntárias de sofrimento gratuito infligido a animais”, remata o advogado.

 

 

 

Fonte: Nit

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *