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Economia

A reabilitação urbana é uma das áreas que mais interesse tem despertado junto dos investidores que aplicam capitais em Portugal.

Os especialistas de vários setores olham de forma positiva para os benefícios estatais que o país tem para oferecer nesta área.

Portugal oferece um dos melhores incentivos fiscais à reabilitação urbana promovida por particulares; uma taxa de 5% tanto em mais valias como em rendimentos prediais (rendas) para imóveis degradados em zonas de reabilitação urbana que subam dois níveis numa escala de conservação atestada antes e depois pela Câmara Municipal competente. O IVA será liquidado também à taxa reduzida de 6% (com exclusões). As transmissões poderão beneficiar de isenção de IMT e os imóveis poderão ainda beneficiar de isenção temporária de IMI. Existem vários caveats à volta destes benefícios; o primeiro é que praticamente não se podem deduzir despesas; acresce que o particular fica sujeito às interpretações dos técnicos municipais e mesmo das finanças (a fração está classificada como média e as partes comuns do imóvel como más – tetos, paredes exteriores – as finanças aceitam conceder o benefício?). O financiamento bancário dum imóvel degradado é também mais difícil, pois a avaliação vai refletir o valor no estado em que se encontra. As empresas esperaram pelas Sociedades de Investimento e de Gestão imobiliária (SIGI) como quem espera por Godot. Finalmente, foi publicado o Decreto-Lei nº 19/2019, de 28 de Janeiro, que veio regular este tipo de sociedades de investimento imobiliário.  As SIGI terão as vantagens fiscais dos fundos de investimento imobiliário sem os encargos das sociedades gestoras (que na maior parte das vezes não gerem nada) e os decorrentes da supervisão da CMVM. Deverão ser constituídas sob forma e sociedade anónima e ter um capital social mínimo de cinco milhões de euros. 80% dos ativos da SIGI devem ser constituídos por imóveis para arrendamento ou outra forma de exploração económica ou de direitos sobre fundos de investimento imobiliário e ou de outras SIGI que distribuam rendimentos da mesma forma que a SIGI é obrigada a fazer. Uma SIGI deve distribuir pelo menos 90% dos dividendos ou rendimentos de unidades de participação noutros fundos de investimento imobiliário ou outras SIGI e um mínimo de 75% dos seus outros lucros da sua atividade. Uma SIGI é tributada apenas “à saída”, ou seja, goza de neutralidade fiscal como os fundos de investimento imobiliário só havendo lugar a tributação no momento da distribuição dos seus dividendos aos seus acionistas. Após nove meses de atividade as SIGI devem admitir as suas ações à cotação em mercado regulamentado.

Ana Gomes, Associate e Diretora de Reabilitação e Promoção Urbana da Cushman & Wakefield

Sem dúvida que sim. São vários os mecanismos, mas devemos destacar claramente quatro: a redução de IVA para 6% na construção, a possibilidade de recuperação do IMT, a isenção de IMI durante um determinado período de tempo para o utilizador final e a maior flexibilidade e rapidez de licenciamento. Estes incentivos, para além de permitirem uma óbvia redução de custos, possibilitam também processos de licenciamento potencialmente mais rápidos, reduzindo riscos e o tempo total de cada projeto. Os incentivos à reabilitação urbana foram extremamente importantes no fim da crise financeira. Tornaram-se um dos motores que dinamizou o investimento imobiliário nas zonas mais centrais das cidades, principalmente em Lisboa e no Porto, e possibilitaram a regeneração profunda dessas áreas. Contudo, e visto que as zonas de ARU se situam nos centros das cidades, acabaram por deixar para segundo plano a resposta à crescente procura, principalmente pela população de classe média, de primeira habitação nova nas zonas não tão centrais de Lisboa e do Porto. Com o mercado da reabilitação ainda muito forte, faltam hoje mecanismos de incentivo à construção nova. O problema torna-se mais inquietante atendendo aos crescentes custos da construção. Em projetos que naturalmente obrigam a maiores tempos de licenciamento e com custos municipais mais onerosos, ter ainda de aplicar 23% de IVA na construção é altamente desmotivador para o promotor. Estes também são, usualmente, projetos maiores, com esforços financeiros iniciais mais pesados e com tempos de construção e de ida ao mercado muito mais longos, atrasando os respetivos retornos. Por último, a maior procura de projetos de reabilitação fez disparar o número de projetos em aprovação nas câmaras municipais. Este fenómeno é particularmente evidente em Lisboa onde os prazos de licenciamento são cada vez mais longos, aumentando o tempo de cada operação e, inevitavelmente, os riscos associados a cada projeto.

Mariana Morgado pedroso Diretora geral da Architect Your Home Portugal

Penso que os mecanismos de incentivo fiscal são atualmente suficientes para estimular a reabilitação urbana, no entanto, enquanto arquitecta devo realçar que existe uma lacuna nos actuais incentivos que tem penalizado o estágio inicial e primordial de uma boa reabilitação urbana – a taxa de imposto de valor acrescentado (IVA) aplicada sobre os projectos. Os trabalhos que são efectuados sob o regime da reabilitação urbana, no regime actual de incentivos viram a taxa de IVA reduzida para 6% na construção feita dentro do âmbito do Regime Especial de Reabilitação Urbana, tal deveria ser aplicado de forma idêntica aos serviços de arquitectura (e outras especialidades existentes para esse efeito, como todos os projectos de engenharias, topografia e paisagismo) prestados no mesmo âmbito da reabilitação urbana, que até à data continuam a ser taxados com IVA a 23%, encarecendo muito os serviços em detrimento da obra e incentivando os proprietários a promover obras sem projecto, algo que a longo prazo não é benéfico para uma reabilitação urbana bem sustentada, que seja desenhada e pensada por técnicos qualificados para o efeito.

Gonçalo Santos, Head of Urban Development da JLL

A reabilitação urbana tem sido alvo nos últimos anos de várias iniciativas que visam estimular esta atividade que regenera o parque edificado dos centros urbanos, preservando e potenciando o valor histórico dos edifícios, dando-lhes uma ‘nova vida’. Desde incentivos de natureza fiscal, consagrados nos Estatuto dos Benefícios Fiscais e Código do IVA, passando por incentivos promovidos ao nível das autarquias, como isenções de taxas e programas municipais como o ‘Reabilita Primeiro, Paga Depois’ em Lisboa, os promotores imobiliários têm sido estimulados, através de uma redução dos custos de desenvolvimento, a reabilitar o tecido urbano das cidades portuguesas, aumentando a qualidade e eficiência da sua utilização. Para além dos benefícios já enumerados, instrumentos específicos de financiamento como o IFRRU (Instrumento Financeiro de Reabilitação e Revitalização Urbanas) foram criados para alavancar as operações de reabilitação urbana, reduzindo assim também os custos financeiros desta atividade. Por outro lado, a detenção de prédios devolutos e por reabilitar têm também sido alvo de penalizações com um claro objetivo de “forçar” os proprietários a intervir nos mesmos. Assim, acreditamos que, apesar de todos os estímulos acima identificados, a atividade de promoção imobiliária, onde se inclui a reabilitação urbana, deverá ser vista como estratégica e prioritária para as cidades e medidas que visem a simplificação de processos e redução dos prazos de aprovação de projetos de licenciamento deverão ser implementadas, com o objetivo de oferecer mais visibilidade aos promotores quanto ao ciclo de desenvolvimento dos projetos imobiliários.

Miguel marques dos Santos, Sócio da Vieira de Almeida

A situação atual, em termos de reabilitação urbana, é uma situação excelente, e que dificilmente poderia ter sido antecipada há seis ou sete anos, quando nos encontrávamos sob assistência financeira e o mercado imobiliário vivia tempos de grande dificuldade. Neste momento e desde há cerca de 5 anos para cá, os volumes de investimento captados para este setor são unanimemente reconhecidos como muito significativos e as nossas cidades têm beneficiado desse investimento de forma evidente, particularmente em Lisboa e no Porto, em que as zonas históricas se encontravam em avançado estado de degradação e, neste momento, são exemplos de sucesso, que comparam bem com outras cidades de referência na europa. Os mecanismos de incentivo criados especifica a diretamente para o estimulo da reabilitação urbana, que se concentram essencialmente num conjunto de incentivos fiscais, em sede de IMT, IMI e IVA, foram, sem dúvida, fatores centrais para a captação dos referidos volumes de investimento.Mas existiram outros fatores, mais laterais mas igualmente determinantes, tais como a reforma da lei do arrendamento, particularmente no que se refere à reforma do regime das obras em prédios arrendados, o regime dos ‘Golden Visa’ e o regime dos residentes não habituais. Estas reformas ou regimes, que o Governo anterior implementou, funcionaram também como fatores determinantes para o sucesso da reabilitação urbana. Com a reforma do arrendamento,o Governo preparou um entorno mais positivo e de mais certeza jurídica para o investimento e com os novos regimes abriu a porta a investidores individuais (essenciais para a criação de um mercado de compradores finais) que de outra forma não teriam olhado para o mercado português.O problema neste momento põe-se nestes outros fatores mais laterais, atendendo a que o Governo atual parece apostado em mudar aquilo que está bem. As recentes alterações ao regime do arrendamento e a intenção de mexer nos regimes dos ‘Golden Visa’ e dos residentes não habituais, são fatores de perturbação que poderão matar a galinha dos ovos de ouro. Era muito importante que o Governo agisse com cuidado e bom senso nestas matérias.

Nuno Esteves, Associate Investment Development

Os programas e mecanismos de incentivo à reabilitação urbana têm desempenhado um papel fundamental na requalificação do edificado e dos espaços urbanos. Lembremo-nos que num passado não muito distante era possível observar pontos nevrálgicos de Lisboa em estado de total e absoluta degradação; os bairros históricos, o Chiado e a Baixa são bons exemplos. Lisboa está mais bonita. A sua influência tem sido por demais evidente e tem afetado a forma como se encara os edifícios mais degradados, que por sua vez nos fez repensar a verdadeira necessidade de edificar a novo. Inclusive, muitas são as situações em que o edificado recuperado faz preservar ou recuperar itens que o valorizam, como a sua traça, os seus materiais mais nobres ou acabamentos originais e que fazem parte do nosso património histórico e cultural. Os incentivos fiscais previstos em programas como o IFFRU 2020, o RE9 entre outros, facilitam a renovação das Áreas de Reabilitação Urbana mas também promovem a desburocratização dos processos, que alavancam o sentimento de renovação dos aglomerados urbanos, conferindo-lhe um novo ar, uma nova dinâmica e um novo valor, passível de ser extraído numa ótica comercial ou de pura vivência e fruição. No entanto, há ainda muito a fazer. O processo de reabilitação urbana é contínuo, perdura no tempo e abrange não só as grandes urbes como também a sua periferia e outras áreas urbanas em distintas localizações. Também o uso dos ambientes edificados deve ser estudado, por se observar atualmente uma premente necessidade de renovação do parque industrial e logístico, por exemplo. Sabendo que o imobiliário deve estar harmonizado com a sua componente natural, o conceito de sustentabilidade deve estar cada vez mais presente nos processos edificativos, seja numa ótica de reabilitação como também de construção nova. A eficiência de consumo de recursos deve ser um ponto fulcral e os ganhos são observáveis: numa ótica de custos correntes, um edifício reabilitado mais eficiente aportará uma fatura inferior mas também consumirá menos recursos, recuperando rapidamente o investimento inicial superior. Também permitirá ao utilizador final uma experiência mais agradável e com menor carbon footprint. Cabe ao promotor ter uma visão holística e de longo prazo do processo de reabilitação e da performance de mercado do seu imóvel. Entenda-se a reabilitação como um processo de reciclagem do imobiliário e de economia de energia; a sua exploração sustentável trará certamente ganhos.

Rodrigo Sampayo, Arquitecto e Partner da OPENBOOK Architecture

As políticas de incentivos para reabilitação urbana parecem-nos fundamentais para alavancar oportunidades e devolver o prestígio e a vida a zonas das cidades muitas vezes “perdidas”. Se os promotores imobiliários tiverem à sua disposição uma boa carteira de incentivos e estímulos para investir em reabilitação urbana, isso traduzir-se-á em mais oportunidades de trabalho e no lançamento de novos projetos para os arquitetos, pelo que é sempre visto como algo positivo e dinâmico para o nosso setor de atividade. Sobre a falta de espaços para escritórios em Lisboa, é um tema que tem vindo a estar em cima da mesa nos últimos tempos e para o qual a reabilitação urbana tem dado um contributo importante. A cidade de Lisboa já não consegue absorver a crescente procura de escritórios por parte das empresas, muitos delas a necessitarem de maior dimensão. Esta falta de edifícios deve-se em parte à opção pela promoção imobiliária cujo retorno é mais imediato e atualmente muito apetecível. Em Lisboa, a solução tem sido “fugir” do centro para, por exemplo, a zona ribeirinha, onde vemos surgir novas zonas corporativas e um investimento sério de reabilitação urbana. No nosso caso, temos os exemplos bem sucedidos da Abreu Advogados e da VdA – Vieira de Almeida, ambos realizados através da Fidelidade Property.

Miguel Gonçalves Ferreira, Diretor Associado do Departamento de Promoção da CBRE

É inegável que os incentivos são cruciais pelo impacto positivo que geram no plano de negócios. Mas ao atentarmos a génese destes mecanismos, estes foram criados quando foi necessário conduzir os promotores na direção da reabilitação urbana, numa altura que vivíamos uma grave crise financeira mundial. Até à data, a reabilitação tem tido o seu principal foco nas zonas históricas das cidades, gerando uma gama de produto que não dá resposta a atual procura de residência por parte das famílias Portuguesas. Neste contexto, e de modo a dar resposta a esta necessidade, é importante estimular a promoção imobiliária de raiz e, como tal, restruturar os incentivos para este sector específico. Não será a reabilitação só por si que terá capacidade de satisfazer a necessidade de alojamento que existe atualmente no mercado. A procura de produto residencial rege-se hoje em dia por critérios de flexibilidade, acessibilidade, centralidade de serviços e custos acessíveis. O mercado de arrendamento deve ser parte da resposta e começa agora a ganhar tração e novos operadores interessados em disponibilizar produto de arrendamento em escala. No entanto, as mais recentes alterações legislativas tem vindo mesmo a desincentivar a promoção para arrendamento. Há pois que  compreender que o mercado não percebe a habitação da mesma forma que se via no século passado e criar os incentivos certos com vista à estimulação do mercado de arrendamento. Importa manter os incentivos à reabilitação, mas há que ter em conta o efeito do turismo neste segmento e repensar os mecanismos que estão a entrar a vigor sem um período de transição. Os investidores que acreditaram em Portugal e nos nossos governos locais, e que tão relevantes foram para a nossa recuperação económica veem os seus projetos sofrer alterações de base a meio do processo, como é o caso das limitações ao alojamento local. Deve ser considerado um período de transição e um regime de exceção para os edifícios comprovadamente devolutos, localizados nas artérias principais, onde obviamente se pretende um movimento comercial intenso. Se, por um lado,é louvável a existência dos atuais incentivos à reabilitação urbana, mais relevante é a estabilidade fiscal e regulatória que gera confiança junto dos promotores imobiliários.

Daniela Costa, Consultadoria & Research da Prime Yield

De forma geral, os mecanismos existentes são adequados no sentido em que cobrem diferentes componentes do processo de reabilitação, como a questão do financiamento, do licenciamento e da fiscalidade, e incluem quer programas de âmbito nacional quer municipal. Há, contudo, uma questão de base que pode trazer alguns constrangimentos, e que não depende destes mecanismos ou da sua aplicação. Desde logo, o preço de base dos imóveis para reabilitação, que sendo muito elevado, pode inviabilizar a equação económica associada a um projeto de reabilitação, até porque nem todo o produto final que resulta da reabilitação é (nem pode ser) direcionado a um segmento alto. Há que ter a noção que os projetos de reabilitação, por si, envolvem custos de contexto mais elevados do que uma construção de raiz, e que partir da base do projeto logo com um ativo de preço muito elevado, pode comprometer o sucesso da operação. E a reabilitação tem que ser para todos os segmentos e públicos.

Fonte: Jornal Económico

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