A história inspiradora do Pai Natal do Colombo, que já veste o fato há 19 anos
Severino foi funcionário bancário durante 32 anos e nunca gostou do que fazia. Quando se reformou, descobriu a sua vocação.
Há poucas coisas que duram para sempre. Neste tempo de mudanças cada vez mais rápidas, as tradições vão-se perdendo e caindo no esquecimento, mas talvez seja mesmo assim que tem de ser: as vontades mudam e o mundo avança. No entanto, há certas coisas que se mantêm nos corações de todas as gerações e a chegada do Pai Natal é uma delas.
Quando tinha 51 anos, Severino Moreira foi desafiado pelo centro comercial Colombo, em Lisboa, para ser o Pai Natal de serviço durante a temporada das festas. O antigo funcionário bancário estava reformado há poucos meses e odiava passar os dias em casa. Ainda assim, quase rejeitou o convite naquela mítica reunião no início do milénio: “Pensava que não ia gostar”, explica à NiT.
Este ano, Severino veste o fato vermelho pela 19.ª vez consecutiva no mesmo centro comercial, onde já ouviu centenas de milhares de pedidos dos miúdos, que depois se tornaram adultos e tiveram os seus próprios filhos que agora levam de propósito ao Colombo para conhecer este Pai Natal específico.
Foi neste ciclo sem fim que Severino encontrou finalmente alegria no trabalho, depois de 32 anos dedicados à banca e onde nunca se sentiu realizado, uma área onde foi parar por “pressão familiar”. Sempre gostou de representação, fez teatro amador, colaborou em jornais e na rádio enquanto esteve em Angola — onde nasceu e viveu até vir permanentemente para Portugal em 1978.
Quando se reformou, inscreveu-se em agências de publicidade e começou a fazer trabalhos para várias marcas — foi, por exemplo, o primeiro homem português a fazer os anúncios do Capitão Iglo. Como sempre usou barba, que ficou branca quando ainda era novo, as parecenças com o Pai Natal não demoraram a ser notadas. Era ele quem fazia a personagem nas festas da família e da empresa, mas nunca podia imaginar que este se tornasse um fator tão determinante na sua vida.
As parecenças tornaram-se tão evidentes ao longo dos anos que Severino ouve constantemente a comparação onde quer que vá, seja na rua, no metro ou no supermercado. A possibilidade de juntar esta imagem ao seu trabalho no Colombo foi: “A graça de viver na última etapa da vida algo que me enriqueceu muito”. Severino acrescenta à NiT: “É uma experiência fantástica que me emociona e realiza. Dá-me algum sentido à vida”.
Todos os dias chega uma hora e meia mais cedo ao Colombo para preparar a personagem. Apesar da sua impressionante barba branca ser verdadeira — do queixo para baixo tem mais de um palmo de comprimento —, o cabelo e as sobrancelhas levam sempre um produto para esbranquiçar os fios. As bochechas são maquilhadas para ficarem mais cor de rosa e a barriga também recebe um adereço que a torna mais redonda. “Não deixo crescer mais a minha barriga por causa da saúde”, explica.
Este processo não é só uma transformação física, também passa muito por uma preparação psicológica para o que aí vem. Severino fica sete a oito horas no Colombo, a ouvir “uma amálgama de sonhos e queixas” de cerca de 600 miúdos por dia. Aos fins de semana este número atinge facilmente o dobro.
No meio de tantos pedidos de presentes, aparecem por lá algumas crianças com histórias mais tristes. Entre elas, Severino recorda uma miúda que o marcou particularmente. “Pai Natal não te vou pedir nada. Só te peço que quando fores lá a casa ralhes muito com o meu pai para ele não bater mais na minha mãe”, contou-lhe ao ouvido.
“Aquilo é um confessionário autêntico”, explica, acrescentando que ouve “muitas histórias de violência familiar”.
Nos tempos livres, escreve poemas e livros, e até já publicou quatro obras. O último foi lançado a 18 de novembro pela APPDA – Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo e chama-se “Poemas-carta a um Menino Luz”. A história mais desoladora da vida deste Pai Natal tem a ver com o facto de o seu único neto, de 14 anos, ter uma forma de autismo que o levou a deixar de falar aos 4 anos.
Este trabalho tornou-se assim a forma que encontrou de comunicar com ele e lhe mostrar que o ama. “Sabia que ele não o ia ler, mas escrever as cartas consolava-me”, desabafa. Uma das suas missões é sensibilizar as pessoas para esta condição que afeta tantas famílias.
Com a experiência rara de 19 anos de Pai Natal profissional, Severino não acha que as crianças tenham mudado muito, mas os presentes que querem receber são hoje muito diferentes. Bonecas e carrinhos foram trocados por telemóveis e tecnologia — há muitos que até lhe pedem dinheiro. Este ano, a moda são os brinquedos das LOL, “Patrulha Pata” e “Frozen”.
Ainda assim, o pedido mais clássico continua a ser “os manos e manas” — “às vezes até já lhes escolheram o nome”, conta o Pai Natal.