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Empreendedorismo

A cidade onde não fecham escolas, crescem negócios e faltam jardins

Viver em Fátima. Na avenida corre-se ao final do dia, reproduzem-se negócios, aproveita-se qualquer edifício para fim comercial.

Entre os 11596 habitantes registados pelos censos de 2011, havia pelo menos um já na altura capaz de soletrar na ponta da língua todas as qualidades de Fátima: Humberto Figueira da Silva, que lá na terra todos conhecem como “o homem dos sete ofícios”, e que em 2013 haveria de ser eleito presidente da junta de freguesia. Aos 52 anos, Humberto dedica-se a tempo inteiro à gestão da autarquia, mas já fez de tudo na vida: fui motorista de pesados, administrativo, comercial, trabalhei em jornais, já fiz tudo e mais alguma coisa”. Está apresentado um fatimense de gema, aquele a quem a maioria dos habitantes cobra tudo aquilo que ainda falta na terra, 20 anos depois de elevada à categoria de cidade. O que leva, afinal, alguém a fixar-se naquele local? Serão todos devotos?

Ao longo dos últimos dias, o DN percorreu as ruas e os lugares, as estradas que conduzem às aldeias serranas ou às novas urbanizações, onde a arquitetura moderna das moradias de última geração contrasta com a densidade de prédios, blocos de apartamentos e hotéis que circundam o santuário. “Viver em Fátima é especial, é diferente de viver noutras localidades do país”, considera Humberto Silva, que nesta quinta-feira anda atarefado com o de sempre: os despachos, o caminho para reparar, o projeto do jardim que nunca mais anda. O autarca, eleito pelo PSD – que ainda mantém o tabu sobre eventual recandidatura – já fazia parte do executivo há três mandatos.

“Quem vive em Fátima vive numa zona privilegiada, mas sabe também tem que ter algumas restrições. Por exemplo, na minha juventude, encarávamos como natural aqui não termos uma discoteca ou um bar, como havia em Ourém ou Santa Catarina da Serra”. Agora que irá a meio da vida, Humberto acredita que “também é bom manter esse ambiente, essa restrição. Ainda hoje não há música ao vivo na rua, por exemplo. Quem vem a Fátima com fé não vem para isso, e os habitantes de Fátima têm que ter isso em conta. O mesmo acontece com o trânsito, nas grandes peregrinações. Temos que ter compreensão por quem nos visita, pois é nessas alturas que fica cá muito dinheiro”. De resto, em Fátima, todos vivem em função das peregrinações e do turismo religioso. Estima-se que nesta altura morem por lá mais de 15 mil pessoas, mas entre a peregrinação de Maio e o final do verão, “chegamos às 20 mil”, sublinha Humberto, enquanto lembra “os que têm segunda casa por aqui, ou os que “no verão, em vez de irem para a praia vêm de férias para Fátima”. Ou ainda os trabalhadores sazonais da hotelaria e restauração, um cenário que “felizmente está a mudar”, acredita o presidente da junta, loas atribuídas à organização do Santuário e das peregrinações.

“Ensino público não nos faz falta”

“Quem cá vive, tem tudo o que precisa”, insiste Humberto Silva, bisneto do regedor que, em 1917, conduzia os destino daquela freguesia. De modo que as aparições sempre estiveram muito presentes na família, desde aquela arca de cereais que se habituou a ver em casa dos avós, e onde – conta-se – esteve escondida a imagem de Nossa Senhora. Pelas contas que faz, 60 ou 70% das pessoas que hoje aqui moram não é de cá; veio de fora, trabalhar para os grandes hotéis e fábricas de artigos religiosos, para os museus e para os colégios – Sagrado Coração de Maria, S. Miguel e Centro de Estudos de Fátima. Na cidade não há ensino público secundário, “mas também não nos faz falta”, sublinha Humberto, ex-alunos de dois desses privados com contrato de associação. O que lhe permite aferir do crescimento populacional nos últimos anos são “as escolas primárias, pois são as únicas que não fecham salas, como à nossa volta. Ainda há dois ou três anos abriram mais salas”, aponta, otimista. O pai foi empregado e gerente do primeiro hotel de Fátima, ao mesmo tempo que a família abria um café-restaurante, padrão que diz respeito à maioria dos habitantes dali. Humberto lembra-se bem de quando “a Cova da Iria tinha pouco mais que uma escada em madeira, quando era miúdo”, e por isso assistiu a todo o crescimento da terra nos últimos anos. Não lhe falta nada? “Falta sim. Um jardim, espaços públicos. Os meus filhos já são grandes. Eu na altura andava tão entretido a trabalhar que nunca foi com eles ao parque. Mas nesse aspeto ainda estamos muito desfalcados”, reconhece, empenhado em ver arrancar de um grande jardim e parque de lazer na antiga Pedreira do Moimento. E assim tocamos na ferida aberta para muitos dos moradores de Fátima.

Renato Vaz tem agora 40 anos de uma vida largamente dedicada à prática desportiva. Primeiro foi jogador do Centro Desportivo de Fátima, mais tarde treinador. Nos últimos anos dedica-se à atividade da moda: a corrida e o trail. Recupera ainda da prova que disputou na Madeira, no fim-de-semana passado, mas não deixa de treinar com aquelas duas dezenas de pessoas (às vezes mais) que regularmente se juntam à quinta-feira, pelas 20 horas, na sede do Vespinga – Vespa Clube de Fátima, de que Renato é sócio-fundador. “Chamamos-lhe Vespinga Saudável. Primeiro fazemos a nossa corrida, depois uma parte de treino funcional”, conta ao DN este operário fabril, pai de dois rapazes, com 17 e 12 anos, e que aponta, à cabeça, como maior lacuna da terra “os espaços verdes, que incitem à prática desportiva”. Também ele sentiu falta dos parques infantis quando os filhos eram pequenos, ou de uma piscina. Por enquanto, constata-se com a avenida principal, onde ao final do dia é frequente ver gente a correr, como em qualquer outra cidade do país.

Retrato de uma empreendedora

Sempre que pode, Sofia Neves junta-se ao grupo. Tem agora 35 anos a dona da marca Treze, que mostra Fátima ao país e ao mundo através de imagens pouco vulgares, em diversas cores, moldes e feitios. Nas horas vagas gosta de correr ou de praticar zumba noutra dinâmica coletividade da freguesia, a Casa do Povo. A verdade é que à medida que se vai aproximando o 13 de maio, vai-lhe faltando tempo para qualquer coisa que não seja trabalhar.

Nascida e criada em Fátima, só se separou da família e dos amigos durante os dois anos em que frequentou o curso de fotografia em Lisboa. “Acho que estou fixada aqui”, conclui Sofia, sentada no escritório da empresa que os pais criaram, um ano antes de ela nascer. Na Marfilar (fábrica de artigos religiosos e decorativos) já trabalharam dezenas de pessoas, agora o quadro de pessoal está resumido à família. Ironicamente, a empresa nunca foi tão conhecida – especialmente depois de Sofia ter ido trabalhar com os pais, convencendo-os a produzir a imagem de Nossa Senhora em cores: azul, verde, rosa, cinza ou lilás. E isso foi naquela altura em que aprimorou o talento de criar adereços, como fios e colares. Estabeleceu uma parceria com a ilustradora Rita Correia, e assim nasceram os fios com imagens de Fátima, e mais recentemente do Papa. “As redes sociais fizeram o resto”, conta ao DN, ela que maturou a ideia numa fase em que ficou desempregada da fotografia. Não muito longe dali, fica a escola primária onde foi menina e feliz, na Lomba D”Égua, e que a junta de freguesia quer transformar em centro cultural. De resto, em Fátima, o mais certo é que qualquer edifício sofra alguma transformação em determinada fase da vida, o que se percebe pelas obras constantes, pela abertura de lojas, cafés, restaurante ou hotéis. Por estes dias, também as ruas estão transformadas “num autêntico estaleiro. E isso era perfeitamente evitável”, conclui o presidente da junta.

Fonte: DN

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