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Música

Portuguesa Carminho lança disco sobre obra de Tom Jobim

Carminho conheceu a obra de Tom Jobim graças à força, em Portugal, de um dos produtos de exportação mais bem-sucedidos da cultura brasileira. Bossa nova? Nada disso, novelas. Foi assistindo aos folhetins da TV Globo que ela aprendeu, ainda criança, melodias e versos de alguns dos clássicos do maestro, presentes nas trilhas sonoras na voz de diferentes intérpretes. Agora, aos 32 anos, a cantora portuguesa se junta a essas vozes, ao lançar, hoje, “Carminho Canta Tom Jobim” (Biscoito Fino), CD que reúne 14 canções do compositor. Os shows da turnê desse disco no Brasil já têm data: dia 24 de março, no Vivo Rio; e 25, no Tom Brasil, em São Paulo.

— Na adolescência, fui me interessando mais por música brasileira, fui ouvir. Minha mãe tinha um disco de Tom lá em casa, não lembro qual. Então comecei a pesquisar a música dele e de Chico. E a me aproximar dela de forma enorme — conta Carminho.

A ideia do disco, porém, não surgiu naquela época. Na verdade, nem foi de Carminho. Frequentando o Brasil regularmente desde o lançamento de seu disco “Alma”, de 2012, ela conta que estava num jantar quando começaram a tocar as músicas de Tom.

— Estavam lá Ana Jobim, viúva de Tom, e Kati Almeida Braga, da Biscoito Fino. E elas, quando me viram cantando aquelas músicas, perguntaram: “Por que você não faz um disco? Cantar Tom Jobim seria algo inusitado, diferente, porque você tem o sotaque português”.

Mais que um elemento natural, o sotaque de Carminho é algo de que ela faz questão, como uma marcação de posição, uma lealdade às suas raízes, à sua verdade:

Desde sempre, quando canto canções brasileiras, nunca abdico do meu sotaque. É minha forma de interpretar, que vem do fado. O fado ensinou-me a interpretar a música no seu todo, a ler poemas, a escolher melodias, a pensar e a acreditar naquilo que canto, tornando essas canções minhas. Portanto, esse trabalho de Tom foi um tanto descobrir a mim mesma como intérprete. E, apesar de estar cantando a obra de um dos maiores compositores da história do século XX, eu estava dando algo de mim, ainda que pequenino.

Kati e Ana sugeriram a Carminho também que fizesse o projeto com Paulo Jobim, filho de Tom e grande conhecedor de sua obra. No primeiro contato, ele apresentou “um calhamaço de canções” para que ela escolhesse o que cantar. Depois de pedir sugestões a amigos como Chico Buarque (um dos convidados do disco, que também tem participações de Marisa Monte, Maria Bethânia e Fernanda Montenegro), Carminho definiu o repertório:

— O primeiro critério foi o de buscar a língua portuguesa com a escrita mais aproximada possível da forma de dizer de Portugal, a minha forma. A língua brasileira tem expressões e formas de ser muito cantáveis e harmoniosas. Mas se eu as cantasse com meu sotaque ficaria estranho. E era importante que as canções se tornassem minhas.

Foi por essa razão que Carminho gravou “Por Causa de Você” em sua versão americana, “Don’t Ever Go Away”.

— Queria variar os letristas do disco. Tem Chico, Vinicius, o próprio Tom. E queria muito que tivesse Dolores Duran, essa música é uma das minhas favoritas. Mas ela já começa com um “você”, que não usamos para tratar alguém com quem temos intimidade. É estranho. Então, lembrei-me desse vinil que tenho de Sinatra, “Sinatra & Company”, que tem essa versão. Pensei: “Por que não incluir essa fase tão importante de Tom, da internacionalização, quando também sou uma estrangeira em seu universo?”. Quis fazer como se fosse um apontamento para lembrar que Tom é do mundo — explica.

Para entrar, estrangeira, no universo de Tom, Carminho buscou a segurança da companhia da Banda Nova — criado no ano em que a cantora nasceu, 1984, o grupo acompanhou Tom por uma década. A formação que aparece no disco tem Paulo Jobim (violão), Daniel Jobim (piano), Jaques Morelenbaum (violoncelo) e Paulo Braga (bateria).

— Eu só conseguiria ser livre nas minhas escolhas num disco sobre Tom se fosse com eles. São conhecedores daquela obra, da estética, do porquê daqueles arranjos. Essa banda tem a essência de Tom, e ao mesmo tempo são muito generosos no sentido de deixar eu ser eu mesma a cantar. A credibilidade que eles têm me permitiu isso. Quando ia interpretar, não tinha medo de arriscar, porque eles estavam ali para me amparar. Como uma rede de proteção, que permitia que eu voasse — sintetiza Carminho.

No disco, Carminho acena à condição de estrangeira — e ao diálogo Brasil-Portugal que o álbum insinua — na citação feita em “Sabiá” à “Canção do Exílio”, que Gonçalves Dias escreveu quando vivia “lá”, saudoso de “cá”. Fernanda Montenegro, que lê o trecho do poema no disco, foi quem chamou a atenção de Carminho para os versos.

— Ela me explicou que aquilo de que Chico falava em “Sabiá” tinha sido tema de um poema do século XIX. Um poema que fala da profunda tristeza de se estar longe de sua pátria e, de repente, compreender a beleza e a importância do canto de um sabiá, da sombra que aquela palmeira dava. Essa angústia que me deu o caminho para interpretar “Sabiá”. É essa aprendizagem com as pessoas que me permite criar minha interpretação. É como o que chamamos de “pescadinha de rabo na boca”. Um peixe que morde o próprio rabo — define a cantora, iluminando, à lusitana, seu processo de aproximação da obra de Tom Jobim.

Fonte: O Globo

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