Palácio Galveias: um dos segredos mais bem guardados de Lisboa
Um palácio nobre como há poucos em Lisboa – construído nos finais do século XVII, para ser a casa de campo da família Távora, e inovador, à época, pela sua arquitectura em U, que se abre ao jardim. Lá dentro, funciona, desde 1931, uma das mais bonitas bibliotecas municipais da cidade e, se o Palácio Galveias, no Campo Pequeno, já pedia obras, a intervenção da Câmara foi também no sentido de servir a comunidade mais próxima – leitores feitos e, na maioria, estudantes, que compunham a grande fatia dos 600 visitantes diários, registados antes do encerramento, em Março de 2015.
Por isso, as salas foram adaptadas para estudo (com pontos de energia e acesso à internet), podendo ficar abertas até à meia-noite no período de exames. Distribuídas pelo piso térreo e pelo primeiro andar, há agora mais salas de leitura – 332 lugares sentados, que se estendem ao jardim e ao terraço – e espaços polivalentes, para formação, conferências, sessões de cinema, teatro ou até aulas de ioga. As crianças ganharam uma área com zona de leitura e uma oficina para actividades manuais no jardim.
Reservada ao lançamento de livros, fora do horário da biblioteca, fica a bonita Sala Saramago, no rés do chão, onde funcionará também a Livraria Municipal de Lisboa, entretanto encerrada na Avenida da República. E para requisitar um dos 120 mil documentos do acervo das Galveias, existem agora dois balcões de atendimento e uma máquina automática.
O Palácio Galveias, que possuía uma vasta quinta anexa, desaparecida na urbanização dos últimos trinta anos, pertencia no século XVII aos Távoras. O Palácio com seu logradoiro, foi confiscado em 1759, e passou a novo dono, e no princípio do século passado (1801) ia à praça por dívidas à Fazenda; adquiriu-o D. João de Almeida de Melo e Castro, mais tarde; Conde das Galveias, do qual transitou em 1814 para seu irmão D. Francisco Conde, continuando na posse dos Galveias, até que uma sobrinha que o herdou, já no final do século passado, o vendeu ao capitalista Braz Simões.
O Palácio caiu então em abandono de nobreza, e tornou-se, como tantos palácios no coração de Lisboa, um albergue de desvalidos. Não passava de um pardieiro, quando em Março de 1927 se começou a pensar na sua expropriação, com vistas aos seus terrenos da formosa e, então, abandonada quinta, chãos indispensáveis pana o remate oriental das Avenidas Barbosa du Bocage e Elias Garcia, o edifício seria destinado a tribunais e conservatórias.
Em Janeiro de 1928 a Câmara acordou negociações com os proprietários deste resíduo rústico-urbano seiscentista, e que eram os sócios da firma Simões Simões (Braz Simões, o homem que fundou o Bairro do seu nome a nascente de Almirante Reis). Em 1929 estava assente que o Palácio, que muitas e quase radicais obras teria de sofrer, seria sede de Arquivo, Biblioteca e Museu. Foi o vogal da Comissão Administrativa da Câmara Municipal, comandante Quirino da Fonseca, o animador e realizador da ideia. E restaurou-se o Palácio, beneficiando de pintura e decorações, mais ou menos felizes; o jardim, trecho do antigo, foi organizado em parque-museu.
Em 5 de Julho de 1931, pelas 18.00 horas, era inaugurada no Campo Pequeno (Largo Dr. Afonso Pena) a nova Biblioteca Central, numa cerimónia solene, com a presença do Presidente da República, Óscar Carmona, ministros, e outros altos dignitários. Juntamente com a Biblioteca, era inaugurado no mesmo espaço o Museu Municipal, com secções numismática e oriental.
O edifício, de planta em forma de “U”, de influência francesa, apresenta um rigor de traçado, bem como uma perfeita simetria. Esta planta inovadora em “U” resulta fechada pelo facto da propriedade ser murada, muro este onde se encontra o portão. O pátio caracteriza-se por uma curiosa fenestração, por um portal e por um portão heráldico, ricamente trabalhado, de tipo maneirista, o qual está emoldurado por duas colunas caneladas com anéis envolventes. É, ainda, de realçar, sob o entablamento, o escudo heráldico de Lisboa, que veio substituir o brasão dos Melos e Castros.
A fachada norte é constituída por corpos laterais, nomeadamente as alas nascente e poente do palácio, ligadas por um muro e na qual se rasgam duas janelas. O átrio, ou pátio nobre, apresentando uma quadra regular, caracteriza-se por um chão empedrado, de calçada à portuguesa, sendo o acesso na face do fundo feito por três portões com ornatos de cantaria e cinco janelas; destas últimas, três são centrais e apresentam uma pequena balaustrada, as restantes são rematadas por um motivo renascentista semicircular sob a forma de concha estilizada.
A fachada sul, sobre o jardim, é constituída por dois corpos laterais simétricos aos da frontaria, ligados entre si por um corpo central com terraço e balaustrada. O carácter interior do edifício foi alterado profundamente, à excepção do átrio, com as obras realizadas entre 1929 e 1931, respeitando-se, no entanto, as linhas exteriores. Assim, apesar de o palácio ter conhecido alterações evidentes na decoração e estrutura de algumas salas do andar nobre, o interior do palácio Távora-Galveias manteve elementos genuinamente seiscentistas, nomeadamente o átrio em rotunda com enorme arco abatido e tecto de abóbada, bem como a escadaria desenvolvida em dois lanços curvos, laterais, no fundo do átrio.
Esta escadaria encontra-se revestida com silhares de mármores de embrechados policromos, além de que em cada sobreporta interior de acesso à mesma encontram-se dois nichos de mármore rosa e branco. Pontuando o encontro dos dois lanços da escada, pode observar-se uma composição heráldica dos Melos e Castros, em brasão dividido por quartelas, que representam respetivamente as armas dos Almeidas, Galveias, Melos e Lobos.
Por sua vez, o salão nobre desenvolvido em meia-lua e articulado com a junção de cinco salas contíguas, apresenta o chão coberto de parquet e as paredes revestidas de painéis de azulejos modernos (Batistini, 1931). Trata-se, pois, de belo exemplar de uma arquitectura que se distinguiu pela sua forma lúdica e pelo tratamento autónomo de todos estes elementos, os quais explicam um conceito de universo e de espaço de representação social.
Fonte: Vortexmag