O novo fado de Lisboa
No fado de Amália que Carlos Paião escreveu e Gisela João agora canta, uma mulher abre a porta de casa e vê um ovni pousado no quintal. Pede educadamente ao senhor extraterrestre que se vá embora, porque tem a roupa a secar e esta ainda se vai sujar se aquela coisa ali ficar, “a deitar fumo para fora”. “O pior é a vizinha/ que parece que adivinha/ quando vir que estou sozinha/ com um estranho em minha casa.” Mas já que o senhor extraterrestre estava ali de pé, a mulher convida-o a entrar. Faz-lhe pena, nem tem cara de mau. “Conte agora novidades:/ É casado? Tem saudades?/ Já tem filhos? De que idades?/ Só um? A quem é que sai?/ Tem retratos, com certeza./ Mostre lá. Ai que riqueza!/ Não é mesmo uma beleza?/ Tão gordinho, sai ao pai.”
A letra não o diz, mas a cena só se pode passar em Alfama, o berço do fado. Mas o fado de Alfama agora é outro. O bairro velhinho que cantava Fernando Maurício, um dos mais antigos de Lisboa, lavou a cara. Recuperaram-se edifícios decrépitos, chegaram estrangeiros endinheirados, mas os que viviam no bairro foram sendo desprezados. Desalojados à força, sem dinheiro para fazer face às rendas galopantes, muitos foram empurrados para fora da zona onde sempre viveram. Alfama tem saudades do tempo em que a saudade era tudo o que tinha. Agora (quase) só tem turistas. E o tempo, que não volta para trás.
Lisboa deve ser uma cidade linda debaixo de tanto turista, pensaria um extraterrestre que aqui aterrasse. Talvez chegasse no mastodôntico navio atracado atrás do Museu do Fado nesta manhã de dezembro, pronto a despejar milhares de pessoas no coração de Lisboa (cerca de meio milhão este ano, segundo a Administração do Porto de Lisboa). Ou então num dos voos low cost que ajudaram a disparar o número de passageiros que aterraram no aeroporto de Lisboa (mais de 20 milhões em 2015, um recorde que deverá ser batido este ano). Depois talvez se juntasse ao magote de gente que se atropela nas ruas e vielas do centro histórico, escondido atrás de máquinas fotográficas e smartphones. Era provável até que fosse acelerar num go-car amarelo onde uma voz metalizada debita banalidades sobre a cidade ou se rendesse ao seu novo ex-líbris, os tuk-tuks, very typical, como ironizam os graffiti gravados nas paredes de Alfama.
Um desses modernos riquexós, agora elétricos por força de uma lei que entra em vigor em janeiro, estaciona por breves instantes junto ao Museu do Fado, com um casal de turistas. “Isto é Al-fama, o bairro mais típico de Lisboa”, conta Tiago Salazar, escritor com nove livros publicados (o último dos quais um romance, “As Escadas de Istambul”), viajante profissional que já conheceu mais de 100 países, marido da cantora e fadista Cristina Branco. No início do ano, quando a crise apertou, ele virou-se para os tuk-tuks.
O próximo livro, garante, será sobre a perspetiva que um “mototurista acidental” tem do turismo na sua própria cidade. “Não sou saudosista nem melancólico, as cidades devem evoluir. Mas em alguns bairros que conheço melhor, como Alfama e Mouraria, o facto de haver uma hiperexploração do alojamento local [AL] está a provocar um fenómeno de rejeição das próprias comunidades.” Vê-o todos os dias. Nas pessoas da Graça que não conseguem entrar no elétrico ou nas ruas tomadas “por vandalismos de ocasião que nascem de bebedeiras fortuitas”.
ALFAMA, BAIRRO ESQUECIDO
Nesta manhã de dezembro, Lisboa despertou com um sol de verão: estão 17 graus centígrados ao meio-dia. O sol pode nascer para todos, mas em Alfama só brilha para alguns. Foi para nos mostrar essa realidade que Maria de Lurdes Pinheiro, presidente da Associação do Património e População de Alfama (APPA), nos espera à porta do Museu do Fado. Aceitou guiar-nos pelas ruas e vielas estreitas do bairro, com os seus becos recatados, onde, mesmo em dezembro, não faltam estrangeiros a arrastar trolleys.
No Miradouro de Santo Estêvão, Maria de Lurdes ainda recorda o tempo em que dali só se viam telhados podres e partidos. “Veja como está agora”, diz, apontando para um belo terraço com espreguiçadeiras a convidar o sol. Há cinco anos, quando ainda era presidente da Junta de Santo Estêvão (entretanto integrada na freguesia de Santa Maria Maior), clamava pela reabilitação de uma zona votada a décadas de esquecimento. Agora, brame contra o abandono a que a reabilitação votou os habitantes do bairro, que sempre foi casa de gente desafortunada. “Aqui viviam os pobres dos mais pobres”, conta.
Alfama mudou muito nos últimos anos. A atividade económica que lhe dava vida foi desaparecendo aos poucos: foram-se os despachantes, os bancos, a Alfândega, os estabelecimentos fabris das Forças Armadas, a atividade portuária… “Hoje praticamente não há outras atividades económicas além das que estão viradas para o turismo. Foi saindo população [um quinto entre 2001 e 2011, sobretudo mais jovens], foi acabando o pequeno comércio, foram retirando carreiras de autocarro.” Agora há ruas inteiras “onde já não se fala português”. E prédios renovados onde não mora ninguém, só gente de passagem.
Turistas sempre houve em Alfama, e a atividade é importante quer para a cidade quer para o país, reconhece a antiga autarca — o sector representa 15% das exportações, 8% do emprego total e 5% do PIB do país, criou 40 mil empregos nos primeiros nove meses do ano e gerou mais de 11 mil milhões de euros de receitas em 2015. Não se pode, diz, “é viver em regime de monocultura”, sem gente a morar nos bairros. “O que se vê é uma reabilitação de prédios virada para o turismo, com os alojamentos locais a substituírem as casas de habitação.” Há vários moradores, sobretudo idosos, a receberem cartas dos senhorios para pôr termo aos contratos de arrendamento, conta. Muitos deles vivem sozinhos, dependem das pessoas que conhecem ali. “Há quem vá ao café para lhes darem uma injeção de insulina. O que vai ser dessas pessoas? Vão ser forçadas a sair, porque os valores das rendas são muito altos.” Segundo o Índice de Rendas Residenciais da Confidencial Imobiliário, no segundo trimestre de 2016, as rendas na freguesia subiram 18,5% em relação ao mesmo período do ano passado, praticamente o dobro do aumento registado no resto da cidade (9,5%). A renda média contratada foi de 10,9 euros por metro quadrado, o que dá 545 euros para um apartamento de apenas 50 metros quadrados. Um imóvel de gama alta com 100 metros quadrados pode ultrapassar os 2000 euros.
A APPA foi criada há 30 anos por autarcas, moradores, especialistas e outras pessoas que se preocupavam com a degradação do bairro e da qualidade de vida dos moradores. Nos anos 80, a palavra de ordem era “Alfama, recuperação ou morte”. A preocupação agora é a “turistificação desenfreada”, que, aliada “à desgraça da nova lei do arrendamento urbano” — que veio facilitar os despejos nos casos em que o proprietário queira fazer obras no prédio —, está a contribuir para uma sangria no centro histórico. “A Câmara tinha aqui muito património municipal e começou a vendê-lo, abrindo a porta à especulação imobiliária, a este negócio em que os prédios são transformados em apartamentos para turistas. Foi-se tornando muito difícil morar em Alfama e tornou-se ainda mais difícil ter emprego no bairro. Mas não começou agora, o Santana Lopes já queria transformar Alfama num condomínio de luxo.”
O EXEMPLO DE BARCELONA
Este processo, conhecido como gentrificação (em que a chegada de novos residentes de classe média acaba por expulsar as populações de menos recursos), é muito familiar para Agustin Cocola Gant, investigador do Centro de Estúdios Geográficos na Universidade de Lisboa. O catalão estudou-o em Barcelona, onde a explosão de oferta de alojamento para turistas gerou receios de uma ‘disneyficação’ — uma cidade com muitas atrações mas sem habitantes. A nova presidente da cidade, Ada Colau, uma antiga ativista de esquerda pelo direito à habitação, suspendeu as licenças para novos hotéis e apartamentos turísticos e endureceu a sua posição sobre o arrendamento de curta duração: foi a primeira autarca a multar as plataformas Airbnb e Homeaway (primeiro em 30 mil euros, depois em 600 mil, por reincidência), por anunciarem apartamentos ilegais (um tribunal anulou a primeira coima esta semana, mas o município irá recorrer).
“Em 2010 havia em Barcelona 3000 licenças de apartamentos turísticos. Em 2014 já eram 9000. Este aumento deve-se sobretudo ao Airbnb [a maior plataforma de alugueres para turistas], que foi criado em 2008 e se popularizou a partir de 2010, 2011. Não estamos a falar de famílias que partilham a sua casa, mas de investidores e proprietários que compram imóveis, desalojando os inquilinos, para convertê-los em alojamentos turísticos. O Airbnb é uma plataforma para especuladores imobiliários”, refere Gant, que no início de 2015 veio para Lisboa estudar as relações entre o turismo e a gentrificação no centro histórico da cidade.
Segundo o investigador, a capital portuguesa “vai pelo mesmo caminho e de uma forma mais rápida”. A culpa, garante, é da reforma da lei do arrendamento, em 2012, porque facilitou a expulsão de inquilinos. E se o fenómeno potenciou muito a reabilitação de prédios que estavam degradados, contribuindo para o embelezamento da cidade, está também a criar um problema social. “Assemelha-se muito aos primeiros casos de gentrificação em Londres, com a reabilitação de prédios para a classe média à custa da saída da classe trabalhadora.” Os comerciantes também não escapam à subida das rendas e às novas regras, que os deixaram mais desprotegidos. Se nada for feito para proteger o comércio tradicional de Lisboa, este “irá desaparecer”. E com ele irão muitos residentes, “porque o comércio tradicional presta um serviço diário aos moradores e é um espaço de encontro, cumpre uma função de coesão social. Sem ele, os residentes terão menos motivos para viver no centro”.
Para Ana Gago, que está a colaborar no projeto de Gant realizando entrevistas em Alfama, há a sensação generalizada nos moradores “de que estão em segundo plano relativamente aos turistas” e de que “o grande problema é o AL”. “Todos os entrevistados sentem que as obras de reabilitação (tanto públicas como privadas), o policiamento (a esquadra de Santa Apolónia passou a ser uma esquadra de Turismo), a limpeza das ruas e o novo comércio servem os visitantes e os ‘inquilinos’ temporários e não os moradores.” Muitos estão fartos dos turistas, do barulho fora de horas, do lixo acumulado na rua, dos estranhos a entrar no prédio a qualquer hora da noite.
DÉCADAS DE ABANDONO
O acesso à habitação no centro histórico de Lisboa é igualmente uma bandeira de Rita Silva, presidente do coletivo Habita, uma organização que luta pelo direito à habitação e à cidade. A também dirigente do Bloco de Esquerda afirma que a discussão não deve ser centrada no AL, embora este seja uma parte importante do problema, “porque tem vindo a subtrair em alguns bairros um elevadíssimo número de habitações que estariam para o mercado de arrendamento, que já é por si pequeno e agora está mais pressionado”. Um estudo recente da Universidade Nova de Lisboa confirma que, desde 2014, o AL teve um impacto de 30,5% no preço das casas e de 13,2% nas rendas em Lisboa.
Mas a saída de população do centro histórico não é nova e a sua explicação não é simplista. Tem raízes mais estruturais e históricas, com o desenvolvimento desde os anos 80 de “uma política única de apoio à expansão urbana” com subsídios diretos e indiretos à construção nova, “que serviu muito bem à banca e às empresas promotoras”, à custa de um endividamento privado “muito considerável”. “Não se investiu nada nem na reabilitação, nem no mercado de arrendamento, nem na habitação pública. Essa política promoveu o abandono das cidades.”
Rita Silva aponta ainda o dedo a outro fenómeno nascido com a crise económica iniciada em 2008: a diminuição drástica do acesso ao crédito fez com que toda a pressão do mercado de habitação se concentrasse no arrendamento, fazendo disparar as rendas. Juntando a liberalização desse mercado, os incentivos ao investimento estrangeiro (vistos gold, isenções a residentes não permanentes, isenções a fundos de investimento imobiliário, etc.) e ainda o AL, ficou criada “a tempestade perfeita para o aumento da especulação nas rendas e a expulsão direta e indireta de pessoas de Lisboa”.
No caso dos apartamentos turísticos, a dirigente da Habita diz ser necessário distinguir entre os grandes proprietários, “que já têm uma parte muito considerável do mercado”, e os pequeno proprietários, que alugam a própria casa para pagarem a renda ou acertarem as contas. Para a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), a ideia de que a maioria do AL corresponde a prédios inteiros de grandes investidores “é um mito”. Segundo os dados da associação, em Lisboa há 20 prédios com mais de nove unidades destinadas a turistas, com 266 apartamentos, 4,1% da oferta. 71% dos titulares registados no Registo Nacional de Alojamento Local (RNAL) têm apenas uma unidade, 19% duas ou três, e só 8% têm entre quatro a oito AL; 2% têm mais de dez imóveis, mas há quem tenha 300.
“O AL em Lisboa é feito por pequenos proprietários”, garante Eduardo Miranda, que preside à ALEP. Os dados do Airbnb parecem confirmar isso mesmo. Segundo um relatório apresentado em julho, 72% dos anfitriões de Lisboa disponibilizam apenas uma propriedade. Os outros 28% poderão ser considerados profissionais, já que anunciam mais do que uma casa. Mas os dados escondem uma realidade bem diferente, alerta o ensaísta canadiano Tom Slee, crítico da autopropalada “economia de partilha” e autor do livro “What’s Yours Is Mine” (o que é teu é meu), publicado este ano. “O que não dizem é que 65% dos alojamentos que estão no site são de anfitriões com múltiplas propriedades e recebem a mesma proporção de visitas. Lisboa é uma das cidades com um perfil mais comercial”, garante. E também é uma das que oferece melhor rentabilidade aos investidores. Segundo a revista “Forbes”, que usa dados da empresa AirDNA — uma consultora que analisa a informação do Airbnb —, a capital portuguesa é a 8ª cidade a nível mundial onde é possível fazer mais dinheiro alugando um imóvel comparando com o valor médio que se receberia por uma renda no mesmo apartamento: num apartamento com uma renda média de 600 euros por mês, o aluguer a turistas pode garantir um rendimento anual de 14 mil euros, quase o dobro.
Os dados de Slee mostram também que o negócio do Airbnb está concentrado sobretudo em duas freguesias lisboetas: Santa Maria Maior (que agrega os bairros da Mouraria, Alfama, Castelo, Baixa e Chiado) e Misericórdia (Bairro Alto, Príncipe Real, etc.). Juntas acolhem cerca de 40% dos 16 mil imóveis (15º lugar no ranking mundial da empresa) e recebem mais de metade dos visitantes. Na Misericórdia, segundo o estudo da Universidade Nova de Lisboa, o peso do AL atinge já 18,5% do total de habitação disponível. “É natural haver concentração [no centro histórico], pois é a zona de maior interesse turístico e, por coincidência, era a zona com maior número de imóveis vagos antes do boom do turismo. Mas o AL quase não tem relevância fora do coração de Lisboa, que é onde está 90% da população”, nota a ALEP. Em julho de 2015, o vereador do Planeamento da Câmara de Lisboa, Manuel Salgado, admitiu numa sessão da Assembleia Municipal que havia “concentração excessiva” de alojamentos turísticos em algumas zonas de Lisboa, apontando como exemplos os casos da Baixa-Chiado, dos bairros históricos, de Belém e do Parque das Nações, e revelou que a autarquia estava a fazer uma avaliação do impacto do turismo na cidade, que seria concluída até final desse ano. O Expresso tentou na altura (e insistiu agora) saber os resultados desse estudo, mas não obteve qualquer resposta.
O geógrafo João Seixas, professor auxiliar da Universidade Nova de Lisboa, coordenador da equipa para a Reforma Administrativa da Cidade de Lisboa, fez as contas e chegou à conclusão de que o rácio de turistas face ao número de residentes, um indicador para as pressão que o turismo exerce nas cidades, “é um dos maiores da Europa”: “Peguei nos dados de 2014: Barcelona teve 7,9 milhões de visitantes e uma estada média de 2,9 dias. Multiplique [dá 22,91]. Esta cidade tem 1,6 milhões de residentes. Dividindo, temos um rácio de 14,3. E Lisboa teve nesse ano 4,9 milhões de visitantes com uma estada média de 2,4, para 550 mil residentes. Dá um rácio de 21,4. E se fizermos estes cálculos apenas para os residentes das zonas mais turísticas e históricas, o rácio fica mais acentuado. É um ‘indicador sintético’, de análise, mas relevante.”
Ana Mendes Godinho, secretária de Estado do Turismo, desdramatiza. “Estamos longe de existir sobrecarga e não devemos generalizar situações. Barcelona tem uma situação completamente diferente de Lisboa. Basta pensar na diferença do número de pessoas que visitam essas cidades.” A governante considera que o turismo e o AL “têm contribuído para devolver a vida aos centros históricos de muitas cidades portuguesas”, constituindo a única oferta disponível em muitas localidades do interior. Lembra que cerca de 40% das casas que hoje estão disponibilizadas para turismo de curta duração eram imóveis desocupados, a precisar de obras, e que foram recuperados com esse fim — mais de 10 mil no total. “Reabilitou os imóveis mais difíceis, aqueles nos quais ninguém antes queria investir: os pequenos apartamentos isolados”, acrescenta Eduardo Miranda.
O presidente da ALEP aponta ainda outros impactos positivos que considera que são pouco falados: por um lado, o AL trouxe um rendimento importante a muitos habitantes e comerciantes dos bairros ao contratar tarefas como limpeza, lavandaria, check-ins, pequenos arranjos, consumíveis; depois, os hóspedes acabam por gastar dinheiro nas mercearias, cafés, restaurantes, lojas e outros negócios locais (segundo o Airbnb, deixaram 225 milhões de euros no comércio local em 2015 e mais 42,8 milhões de euros nos anfitriões); por fim, na grande maioria dos casos, é autoemprego para milhares de pessoas. “Em Lisboa, são quase 5000 famílias ou microempresas de carácter familiar que dependem em parte ou essencialmente destes rendimentos”, garante.
O problema da habitação e do arrendamento no centro histórico, nota, é outro: a falta de atratividade da zona, situada em colinas de ruas estreitas, o que faz com que não seja um local de excelência para residência de famílias. “O centro histórico tem vários problemas: as tipologias dos imóveis, que têm em geral áreas muito reduzidas, falta de elevador, dificuldade de acesso de carro, limitações de transporte e de estacionamento… Tudo isso torna a zona muito pouco adaptada e pouco atrativa para as famílias, em especial para aquelas que se acostumaram nos subúrbios a um padrão moderno de vida.”
FADO COM SOTAQUE DO PORTO
No Porto, o segundo destino dos turistas que entram no país (quase 1,5 milhões de hóspedes nacionais e internacionais em 2015, um crescimento perto dos 30% em relação ao ano anterior), o presidente da autarquia, Rui Moreira, também enalteceu o papel do turismo na reabilitação urbana da cidade num artigo publicado recentemente no diário “Público”, “Quem não se lembra do centro do Porto há uma década, com edifícios fechados e em ruínas? Essa é uma verdade que tendemos a esquecer, atribuindo ao turismo a culpa pela ‘expulsão’ dos habitantes do centro histórico.” O autarca recorda que a população do Porto diminuiu pelo menos desde o início dos anos 80 e a do centro histórico “ainda há mais tempo”. “Quando chegou o turismo, há meia dúzia de anos, já quase ninguém habitava a Baixa.”
Apesar do otimismo, Moreira admite que o sector pode representar ameaças e, nesse sentido, o município está, “pela primeira vez”, a exercer direito de preferência sobre a transação de prédios no centro histórico. “Com isto, pretende evitar que a maioria dos edifícios transacionados se destinem a projetos turísticos, reservando, sempre que os valores forem aceitáveis, edifícios para reabilitar e colocar no mercado de arrendamento social.” O Porto é o 4º concelho com mais unidades registadas no RNAL (2090), mas há cerca de 6000 inscritas no Airbnb, segundo a empresa, o que mostra que é ainda longo o caminho para a legalização.
Foi no Porto, em 1982, quando a Ribeira estava quase em ruínas, que nasceu Ana Matos Fernandes, a rapper conhecida como Capicua. É dela o fado que melhor resume esta nova realidade das duas cidades, escrito há três semanas na revista “Visão”:
Foi num site de turismo que encontrei
A foto da Casa da Mariquinhas.
Está toda recuperada
A fachada está pintada
E a entrada decorada a andorinhas.
Da receção ao terraço
Pró turista modernaço
A senha da internet é alfacinha.
Tuga só o empregado, atarefado
A servir as caipirinhas!
Sentei-me e pedi a lista do bistrô
E era tudo tão gourmet que as sardinhas
Vinham em pão integral
Sem glúten e sem sal
Montadas na vertical e com ervinhas.
Souvenirs Bordalo Pinheiro
A custar tanto dinheiro
Que só mesmo pra quem tem libra esterlina
E não se esqueça de pôr like lá no site
Do Hostel da Mariquinhas!
Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 17 de dezembro de 2016
Fonte: Expresso