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Cultura

Cascatas, gárgulas e lojas com duendes: Desvendar os segredos das aldeias históricas

Ao caminhar pelas Aldeias Históricas de Portugal, despertam-se os sentidos. Há muito para conhecer para lá do óbvio ao longo do traçado antigo e na envolvente. Rochas enigmáticas e bizarras, paraísos discretos, jardins inesperados, produtos quase esquecidos, lendas e histórias de profetas.

 

 

Castelo Novo: cascatas, caveiras no granito e os ovnis
A aventura pelas ruelas e trilhos assinalados de Castelo Novo faz-se com atenção, não vá escapar um tesouro. Ao entrar nesta aldeia histórica revela-se a praia fluvial da Ribeira de Alpreade, mas o que muitos olhos não veem é o que se esconde a montante, junto ao Pontão Engenheiro Abecassis, ou “Ponte Pequena”, na zona onde antigamente se “costumava lavar a roupa”, recordam os residentes. Antes da ponte, sucedem-se cascatas e pequenos poços de água, que fazem o gáudio dos locais quando o calor aperta. Espreite ainda com o Cabeço da Forca: num dos blocos graníticos foram esculpidas duas caveiras e vê-se um orifício onde deveriam assentar, outrora, os esteios da forca. José Saramago visitou esta aldeia, que descreveu como “uma das mais comovedoras lembranças do viajante”. Situa-se no sopé da Serra da Gardunha, que é também conhecida pelos relatos de avistamentos de ovnis…

 

 

Monsanto: grutas, lajes enigmáticas e borlhões
Ao subir a Rua do Castelo, repare na gruta adaptada de uma antiga furda. Mais acima, na Taverna Lusitana, servem-se bebidas com nomes curiosos, como o Licor de Merda e o afrodisíaco Menir, inspirações para cumprir com outro ânimo a Rota dos Barrocais. No caminho aparecem, a dada altura, várias covas numa rocha enigmática. Terão sido formadas por “erosão diferenciada” e há autores que as associam a um santuário ancestral. O imaginário popular, porém, criou a lenda das Tigelinhas da Fidalga: uma senhora da nobreza serviria aqui sopa aos pobres. Já no regresso, repare na “Casa de Uma Só Telha”, em que o teto é um enorme penedo! Pode ainda “ziguezaguear”, encosta abaixo, espreitar a Pedra Bolideira e conhecer a Capela de São Pedro de Vir-a-Corça, rodeada de um místico sobreiral secular e um inusitado campanário no cimo de um rochedo. Mais uma dica: no minimercado de Relva ainda consegue encontrar os típicos borlhões de Monsanto, feitos com as partes gordas da carne de cabra, sal e “muita hortelã”. Essa carne recheia bolsas feitas a partir do estômago do animal, podendo acompanhar com legumes, batatas ou “sangria de comer”, ou seja, os miúdos.

 

 

Dos sabores antigos à Azinheira Grande, em Idanha-a-Velha
Começando pelo apetite, o único restaurante desta aldeia alinha-se com a origem romana do lugar. A Casa da Velha Fonte na Casa da Amoreira tem a particularidade de se inspirar na “história clássica apiciana” na confeção dos pratos. Um regresso ao passado que também acontece nas idas da D. Beatriz ao forno comunitário. É a única habitante que ainda coze o típico pão casqueiro em Idanha-a-Velha. Esse pão é feito “à base de trigo e sem fermento, só com a massa-mãe”. Deambulando pela aldeia, descobrem-se outros marcos históricos e religiosos, como epígrafes e dois batistérios – um deles remonta ao século IV e é o mais antigo da Península Ibérica. No caminho que circunda a aldeia esconde-se a Azinheira Grande, uma árvore centenária cujas raízes se “agarram” às rochas: “há pedras que já nem fazem parte da muralha, mas da azinheira”, comenta um guia do Posto de Turismo. Antes de chegar à chamada Porta Sul, há um caminho de terra batida até ao rio Pônsul, onde surgem 43 poldras para atravessar aos saltinhos.

 

 

Castelo Mendo: berrões, lendas e o barroco dos desejos
Um dos elementos mais curiosos desta aldeia observa-se à entrada. Nas laterais da Porta da Vila estão dois berrões, esculturas zoomórficas em granito que estariam associadas ao culto da fertilidade dos Vetões. Conta-se que as suas cabeças terão sido cortadas porque “quando os animais ali chegavam, recuavam”. Na fachada da antiga Domus Municipalis sobressai a gárgula de uma figura masculina a que se chamou “Mendo” e, na fachada do lado oposto da rua, as feições da “Menda” noutro bloco. Mendo era o nome do primeiro alcaide local, mas ninguém sabe ao certo explicar a história destas figuras. O domínio da lenda fez nascer da incerteza um amor impossível, uma história na senda de Romeu e Julieta: dois apaixonados fitando-se e admirando-se para a eternidade… Procure a Loja D. Sancho Artesanato, o Mirante (um miradouro a mais de 800 metros de altitude) e atire uma pedra ao Barroco dos Desejos, se acertar pode ser que se realizem.

 

 

Loja com fadas e duendes em Belmonte
Em Bemonte preserva-se o legado sefardita, em símbolos como a sinagoga e o Museu Judaico, e há uma loja de encantar. Chama-se Arte do Tempo, vende antiguidades e artesanato, e é também uma viagem ao mundo da fantasia. É que além de quadros, porcelanas e artigos judaicos, como uma Menorah do século XVIII, há peças alusivas ao imaginário das sereias, faunos (desde €40), anjos, fadas e duendes (desde €15), como o Willy. Desde a infância que Sheila Costa se interessa “por esse mundo mágico”. Costumava fazer desenhos motivados pelos contos que lia e, com o tempo, vieram os objetos, as roupas (já fez trajes de fada e outros à imagem de romanos e templários), um soldadinho de chumbo com mais de dois metros e até uma versão do célebre trono da série Guerra dos Tronos. “As pessoas gostam imenso, até os adultos ficam diferentes, alegres. Se calhar é por isso que me dá tanto prazer”, explica. Expõe também as criações em eventos como a “floresta encantada”, realizada em Belmonte em 2017, ou a “aldeia mágica” em Penamacor, com direito a musgo e folhas de verdade.

 

 

Sortelha dos anéis e rochas surpreendentes
Sortelha é uma das aldeias históricas melhor conservadas. Se o castelo do século XIII, o pelourinho manuelino e a Igreja Matriz não escapam ao roteiro habitual, lembre-se de passar pelo inesperado Jardim do Anel, que fica junto às muralhas, em frente à igreja. Tem esculturas em pedra, da autoria de João Reis: uma figura feminina a amamentar, um elefante em homenagem à obra de José Saramago “A Viagem do Elefante”, onde Sortelha é referida, e um anel com um lagartixo na parte inferior. A associação de Sortelha aos anéis começa logo numa das teorias sobre a origem do nome. Derivaria de “sortija”, ou anel, estando relacionada com um jogo medieval em que os cavaleiros teriam de fazer passar uma lança por um anel de pedra. Vista de cima, a própria cintura muralhada assume a forma de um anel e o brasão de armas contém um castelo e… um anel. Uma aldeia preciosa que é ainda fértil em rochas de formas bizarras, como a da Cabeça da Velha, que lembra um rosto envelhecido, e o “Beijo Eterno” desenhado por duas rochas unidas.

 

 

Bandarra, o poeta e profeta de Trancoso
Enquanto estiver em Trancoso, sugere-se uma visita ao Centro de Interpretação da Cultura Judaica Isaac Cardoso, à Sinagoga Beit Mayim Hayim, e à Casa do Bandarra. Gonçalo Anes Bandarra foi um poeta, sapateiro e profeta de Trancoso, que viveu no século XVI. Os visitantes encontram um vídeo sobre a sua vida e obra e um documentário “acerca das reminiscências antropológicas recolhidas na sabedoria popular, sustentado pelas tradições e não por factos históricos”. Reza a lenda que Bandarra adivinhou até “quem lhe ia pagar o funeral!” e no Largo do Município ergueu-se uma estátua em sua memória. Compôs trovas de inspiração divina e proféticas baseadas sobretudo no Antigo Testamento, o que lhe valeu um processo do Santo Ofício de Lisboa, em 1541.

 

 

Fonte: Boa Cama Boa Mesa

 

 

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